

SOUND OF FALLING: um labirinto de traumas para abrir a competição em Cannes
A segunda longa-metragem da realizadora alemã Mascha Schilinski abriu a competição em Cannes com uma crónica universalista da opressão sofrida pelas mulheres nos últimos cem anos.
Um século de traumas familiares através da vida de quatro mulheres: o filme alemão “Sound of Falling” abriu a competição de Cannes na quarta-feira, explorando uma transmissão labiríntica do sofrimento de mãe para filha.
“Estávamos interessados em mulheres que estão apenas a sobreviver em vez de viver e até onde é preciso ir para quebrar esta vontade de sobreviver”, disse à AFP a realizadora Mascha Schilinski, recordando que “gritou de alegria” quando soube que a sua segunda longa-metragem tinha sido selecionada.
“Sound of Falling” (que em português significa “O Som da Queda”) passa-se numa quinta familiar isolada do mundo e da história, onde o chão de madeira range e por onde passam várias gerações, desde o início do século XX até hoje. O filme começa com a pequena Alma (Hanna Heckt), no início do século XX e segue a longa linha dos seus descendentes até Lenka (Laeni Geiseler), uma adolescente que partilha AirPods com um vizinho taciturno.
Entre estas duas épocas, desenrola-se uma imponente cartografia do assédio e da opressão que se abate sobre as mulheres.
“Muitas das mulheres deste filme não escolhem a morte, mas esta é frequentemente a única opção que lhes ocorre para se libertarem radicalmente”, observa Mascha Schilinski.
Para reconstituir estes cem anos de servidão, a sua câmara mostra sinais impercetíveis, como o tremor das mãos, e acontecimentos insignificantes que despertam ansiedades entorpecidas.
A adolescente Lenka convence-se subitamente de que a sua vida é um fracasso porque não escolhe o mesmo sabor de gelado que a sua vizinha, que a fascina para além da racionalidade.
Centrado inteiramente nesta geografia íntima, “O Som da Queda” deixa de fora as convulsões políticas que marcaram a Alemanha no século XX, a divisão do país, a queda do Muro e, sobretudo, o período nazi.
Em declarações à AFP, a realizadora, de 41 anos, confirma esta tendência universalista, apesar de algumas referências subtis presentes na história.
“O filme podia ter-se passado em qualquer parte do mundo. Não era esse o nosso objetivo principal (evocar a história da Alemanha). Acima de tudo, queríamos aproximar-nos da memória transmitida pelos corpos”, explica. “Só vemos o que é realmente crucial para as raparigas na sua vida quotidiana. E é assim que vemos o que é a história”, acrescenta a realizadora.
Ao longo do filme, porém, ouve-se uma tempestade que se aproxima e que Mascha Schilinski associa ao que considera serem os perigos do nosso tempo. “Enquanto escrevíamos o filme, a história apanhou-nos com o ressurgimento da extrema-direita na Europa e o regresso da guerra, um arrepio mesmo antes de algo grande estar prestes a acontecer”, diz.
“Foi esse o sentimento que tentámos captar, porque era também o que os protagonistas sentiam. A sensação de que uma guerra está mesmo ao virar da esquina, de que está a acontecer algo para o qual ainda não temos palavras”.
No total, 22 filmes concorrem à Palma de Ouro. Os vencedores serão anunciados a 24 de maio.