Teresa Villaverde filmou personagens destroçadas pelos incêndios em “Justa”
A longa-metragem cruza ficção com as histórias reais dos que sofreram no incêndio de 2017 em Pedrógão Grande.
A realizadora Teresa Villaverde fez um filme de ficção sobre os destroços de quem sobrevive, perde tudo e nunca mais fica o mesmo perante uma situação limite como um incêndio florestal.
“Justa”, que se estreia nos cinemas na quinta-feira, é uma longa-metragem de ficção com histórias que se inspiram nos que sofreram no incêndio trágico de 2017 em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, que causou 66 mortos e 253 feridos, destruiu mais de meio milhar de habitações e 20 mil hectares de floresta.
Um ano depois do incêndio, Teresa Villaverde passou pela região e ficou marcada pelo que viu e ouviu.
“Atravessei aquelas estradas quando estava tudo ardido, e nas imagens vistas na televisão ou em fotografias não se percebe o impacto de quilómetros e quilómetros de tudo preto, era uma coisa impressionante, e o silêncio total. […] Parecia o som da terra que nos acusa”, contou em entrevista à Lusa.
Perante o impacto do horror do que viu, perante toda a cobertura mediática, Teresa Villaverde quis saber mais sobre as pessoas que sobreviveram e recorda um episódio que a levou a fazer o filme.
“Vi uma senhora que me pareceu velhinha, sentada numa cadeira, afastada da povoação, sozinha, a olhar para um vale e para uma montanha toda queimada. Eu estava no carro e fiquei a pensar se parava ou não para falar com ela. Não parei e culpabilizei-me de não ter parado, porque aquela senhora nunca mais me saiu da cabeça. E eu acho que foi essa senhora que desencadeou todo este processo”, recordou.
“Justa” não é um documentário, as histórias que se cruzam são ficcionais, mas de alguma forma representativas do que é sobreviver a uma tragédia como a de Pedrógão Grande, sem que haja necessidade de mostrar labaredas.
No filme há a criança que perdeu a mãe, o homem que tem de conviver com um corpo mutilado pelas chamas, uma mulher que ficou cega, depois de morrer o marido, uma psicóloga que tenta aliviar o sofrimento.
“Nós nunca vamos conseguir saber exatamente o que se passa com aquelas pessoas, e aquelas pessoas percebem que nunca mais vão ser iguais às outras”, contou a realizadora.
Nas semanas de pesquisa no terreno, sozinha, sem câmara, sem gravador, Teresa Villaverde encontrou pessoas dispostas a partilharem o que viveram, mas ainda em choque, como se acreditassem que podia “haver um milagre de ‘desacontecer’” o incêndio.
“Justa”, escrito e produzido por Teresa Villaverde, é interpretado por Madalena Cunha, Ricardo Vidal, Filomena Cautela, Alexandre Batista, Anabela Moreira e Betty Faria, entre outros.
A realizadora admitiu que foi “um filme muito difícil de produzir”, pela montagem financeira demorada, pela rodagem em locais difíceis “e por ser sobre o que era”.
“Na equipa da rodagem eram todos portugueses e eu acho que não era preciso falar, todos nós sentíamos que estávamos a fazer uma coisa – boa ou má – especial e tinha de ser feito com grande cuidado e respeito”, lembrou.
Teresa Villaverde entende que “Justa” pode ser uma homenagem aos vivos, porque todos os anos são recordados apenas os que morreram naquele incêndio.
Enquanto estreia “Justa” nos cinemas, após a estreia mundial em outubro passado no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, no Brasil, Teresa Villaverde está embrenhada “num quase filme-ensaio sobre muita coisa” e a refletir sobre “a questão de Gaza”.
“O que me toca mais nestes tempos tem sido a questão de Gaza e uma pessoa pergunta-se ‘agora o que é que eu vou fazer?’. Conheço imenso artistas que estão bloqueados, não fazem a mínima ideia do que vão fazer. Penso que [eu] talvez tenha encontrado uma saída, ando às voltas com um santo. A minha radicalidade vai ser ao contrário, pelas coisas boas e não pelas coisas más”, revelou.