

Thierry Frémaux: “o cinema sempre foi salvo por ele próprio”
Com “Lumière, a Aventura Continua”, o diretor do Festival de Cannes e do instituto que preserva o arquivo e a memória dos inventores franceses, realiza uma mais um longa-metragem sobre o nascimento do cinema.
“Lumière, a Aventura Continua” segue o legado da longa-metragem “Lumière, a Aventura Começa”. É o privilégio de poder ver no grande ecrã mais filmes dos irmãos Auguste e Louis Lumière. O documentário reúne mais de uma centena de filmes restaurados que estão guardados no Instituto Lumière, em Lyon, a cidade francesa onde começou o cinema.
Thierry Frémaux, diretor do instituto e diretor do Festival de Cinema de Cannes, encontrou no aniversário dos 130 anos do nascimento do cinema o pretexto para realizar uma nova longa-metragem:
Existem 2 000 filmes Lumière, 1 500 oficiais e 500 fora do catálogo. Conheço-os todos e sabia que havia material suficiente para fazer uma segunda longa-metragem. Contudo, é complicado. Pretendia um filme que voltasse às salas porque o cinema dos Lumière não é exibido nas salas desde 1905, como um filme, ou seja, em que as pessoas saíssem de casa e pagassem um bilhete.
O primeiro filme foi um grande sucesso. Por isso, surgiu a ideia de fazer um segundo, mas era preciso encontrar o momento certo. O momento é 2025. São os 130 anos da celebração do nascimento do cinema.
“nenhum filme será mais antigo do que uma peça de Shakespeare, ou uma música de Mozart…”
Foram os filmes que guiaram Thierry Frémaux na seleção das curtas-metragens para incluir em “Lumière, a Aventura Continua”. O cineasta francês quis também fazer uma reflexão sobre o cinema atual a partir dos primórdios. A simplicidade, a essência dos Lumière, permanece até hoje:
Havia filmes que eu conhecia muito bem e que queria mostrar, mas foram os próprios filmes que criaram esta longa-metragem através da temática, ou da semelhança da estética.
Por exemplo, quando se mostram comboios, barcos, o estilo é um tema. Estamos em 2025, passamos por muitas interrogações sobre o cinema em si e queria refletir sobre o cinema de hoje, a partir do cinema dos Lumière, que continua atual, a dizer coisas que são válidas. Por exemplo, a simplicidade. A simplicidade continua a ser a força. Hoje, um cineasta reflete sobre um plano, uma ideia, a posição da câmara, como vai escrever sobre o mundo, graças às imagens em movimento.
O cinema de hoje era o que faziam os Lumière. É por isso que faço a diferença entre o cinema dos Lumière e o de Méliès. Não um ser o documentário e o outro ser ficção, não é isso. O Lumière é o real e o Méliès é a ilusão. Para mim, Lumière é a Nouvelle Vague e Méliès é Hollywood. E ambos são importantes.
As curtas-metragens que se veem em “Lumière, a Aventura Continua” são uma pequena parte do arquivo existente. O Instituto Lumière está empenhado na preservação dos testemunhos das origens do cinema. Thierry Frémaux espera conseguir restaurar todos os filmes feitos pelos irmãos Lumière:
Já restaurámos 500 filmes, o que é muito caro porque é feito filme a filme e ainda temos muitos para restaurar.
Vamos encontrar meios para o fazer. Um filme em vídeo não está mal, mas restaurado é outra coisa. É uma maravilha. A qualidade estética, a qualidade da imagem, a qualidade do preto e branco fazem a beleza do filme. Os irmãos Lumière colocavam isso no ecrã. Os filmes restaurados, tal como na época, isso é cinema. O cinema dos Lumière é cinema porque é como contar uma história com uma câmara. É como escrever com uma câmara.
Ainda há muitos filmes por restaurar. Alguns não são muito bons, não foram bem sucedidos, mas são testemunhos, importantes porque são memórias.
O documentário “Lumière, a Aventura Continua”, é narrado pelo próprio Thierry Frémaux, o diretor do Instituto Lumière e diretor do Festival de Cannes, salienta a atualidade dos primeiros filmes feitos pelos irmãos Lumière:
Diz-se que um filme é velho, mas nenhum filme será mais antigo do que uma peça de Shakespeare, ou uma música de Mozart. Um filme fica velho logo após uma semana em sala. Há logo um filme novo a seguir.
Mas graças às cinematecas, aos arquivos, como há, por exemplo, em Montreal e Lisboa, são grandes instituições de arquivo e cinematecas que mantêm vivo o cinema. O cinema do passado é trazido para o presente. E, no fundo, os filmes Lumière devem ser trazidos para o presente.
Uma vez, em Lyon, a cineasta Agnès Varda disse-me que as pessoas que vemos nos filmes de Lumière não são os nossos avós, não são os nossos antepassados, não são os nossos pais. Somos nós. É a humanidade.
“A música, a pintura, a literatura… Não sabemos onde foram inventadas. Nunca o saberemos, mas o cinema sabemos. Foi lá, em Lyon, e toda a aventura do cinema começa aí.”
Cinéfilo fascinado pela obra dos irmãos Lumière, numa verdadeira masterclass, Thierry Frémaux faz uma comparação entre os criadores franceses do cinematógrafo e o inventor norte-americano Thomas Edison:
Desde o início questionamo-nos sobre o que é o cinema. A vitória de Lumière sobre Edison é a sala de cinema. Tecnicamente, Edison podia inventar tudo, mas ele erra filosoficamente. Quer uma máquina individual onde se coloca uma moeda e, para ver a imagem, é preciso pagar. Algo muito americano. Os Lumière discordam. Um filme é para ver todos juntos. O que as pessoas queriam há 130 anos é o que nós agora sempre quisemos.
Na realidade, Edison inventou as plataformas. Ficamos em casa. É um consumo individual. E as plataformas são uma invenção fantástica. Tenho-as todas no meu computador, mas gosto de ir ao cinema. E agora podemos viver ao mesmo tempo, com a televisão, com a internet e com o cinema.
Otimista, Thierry Frémaux acredita no futuro do cinema que só precisa de continuar a acreditar nele próprio:
Pode-se dizer que o cinema ainda está vivo. Não morreu. Durante a Covid ouvimos dizer que o cinema iria morrer, que estava acabado. É verdade que, pela primeira vez na história, todas as salas de cinema do mundo foram fechadas. Mesmo durante a Primeira Guerra Mundial, ou a Segunda Guerra Mundial, isso não aconteceu. Mas hoje elas estão reabertas. Estão bem.
Em alguns países, mesmo na Europa e nos Estados Unidos, a situação continua frágil, mas vai mudar. No final dos anos 60, os estúdios estiveram em dificuldades e, de repente, chegaram os anos 70, com Scorsese, Coppola, Spielberg, etc., e tudo se alterou. O cinema precisa de confiar nele mesmo. É isso que é muito bonito dizer, que o cinema sempre foi salvo por ele próprio. São os filmes, os artistas e os espectadores que vão salvar o cinema.
O diretor do Instituto Lumière, Thierry Frémaux, assume a missão de defender, proteger e divulgar o património histórico da arte da imagem e movimento, que começou em Lyon, na Rua do Primeiro Filme, com a saída da fábrica:
O primeiro filme foi filmado ali, em Lyon, mas ninguém sabia disso. E apaixonei-me pelos filmes Lumière e nunca deixei de estar. Lutei pelos direitos, pela integridade de todos estes filmes. Trabalhámos com o Estado para que tudo isso fosse preservado. Trabalhei com os arquivos, com a Cinemateca Francesa.
Conheço bem a família Lumière. É a minha segunda família. Quis falar do cinema como um cinéfilo. Antes falávamos do cinema Lumière pelo ângulo dos historiadores. Os Lumière são os últimos dos inventores. Estão na história do cinema com os seus filmes.
Eu queria oferecer aos Lumière a posteridade. Ou seja, colocá-los nas galerias dos artistas. Eles criaram o cinema e fizeram cinema. É muito bonito. A música, a pintura, a literatura… Não sabemos onde foram inventadas. Nunca o saberemos, mas o cinema sabemos. Foi lá, em Lyon, e toda a aventura do cinema começa aí.
“Lumière, a Aventura Continua”, é uma viagem pela história do cinema à descoberta do universo cinematográfico dos irmãos Louis e Auguste Lumière.