

Ucraniano Loznitsa regressa a Cannes com alerta para o despotismo
O cineasta concorre à Palma de Ouro com o filme "Dois Procuradores", um alerta contra a tirania que decorre na época das purgas de Estaline.
O realizador ucraniano Sergueï Loznitsa, apreciado no Festival de Cinema de Cannes, mas evitado por alguns no seu próprio país, apresentou na quarta-feira um novo filme que alerta para os perigos da tirania na era das purgas de José Estaline.
“Dois Procuradores”, a primeira longa-metragem do realizador de 60 anos em quase uma década, conta a história de um jovem procurador idealista que assume o caso de um prisioneiro político que definha numa das prisões de Estaline na década de 1930.
No centro do filme, que concorre à Palma de Ouro, está um aviso contra os déspotas – e o perigo de reagir demasiado tarde. Não sejam ingénuos” é a mensagem para o público e para mim próprio”, disse Loznitsa à AFP.
A Rússia contemporânea, após 25 anos de Vladimir Putin no poder, assemelha-se à União Soviética, segundo o cineasta, mas a sua mensagem também reflecte o declínio das liberdades em muitas democracias. “A sociedade russa atual é diferente da sociedade soviética do século XX, mas a sua natureza fundamental não mudou”, afirma.
Em relação aos Estados Unidos e à possível emergência de um regime autoritário sob a presidência de Donald Trump, Loznitsa considera que “pode acontecer em qualquer sociedade”. “Há pessoas que têm um verdadeiro talento para vergar a sociedade aos seus desejos mais profundos”, explica. “Estaline era extremamente talentoso nisso”.
Loznitsa não vai à Ucrânia desde 2021 e vive entre a Alemanha e a Lituânia, mas espera um dia regressar à sua terra natal, disse à AFP.
“Gostaria de fazer um filme lá, mas não sei até que ponto isso é possível”, disse antes da estreia de “”Dois Procuradores” (o título internacional é “Two Prosecutors”). Em 2022, o realizador de língua russa foi expulso da Academia de Cinema Ucraniana por criticar a política de boicote aos filmes russos, na sequência da invasão lançada por Moscovo nesse mesmo ano. Intelectuais ucranianos de renome e outros cineastas também o criticaram, apesar das suas repetidas condenações dos ataques russos desde 2014 e do seu trabalho para os documentar em filmes como “Donbass” e “A Invasão”.
O seu documentário “O Julgamento de Kiev”, sobre os julgamentos dos nazis e dos seus colaboradores na Ucrânia no pós-guerra, não gerou “uma única palavra na imprensa ucraniana”, lamenta.
“Por um lado, estou surpreendido, mas, por outro, compreendo. Este é o resultado da guerra da Rússia contra a Ucrânia. Numa situação como esta, a sociedade torna-se muito mais radical e muito mais cruel”, explica Loznitsa. “Mas a minha situação não é nada, é realmente muito pequena comparada com o sofrimento de muitas pessoas no país”.
Embora o realizador espere voltar a trabalhar numa Ucrânia pacífica no futuro, diz ter pouca esperança nas atuais negociações de paz: “Será que Putin quer mesmo acabar com a guerra? Há muito tempo que eles têm a vantagem na linha da frente. Não creio que ele queira que a guerra termine.