20 Nov 2019 21:06
Apetece utilizar uma frase mais ou menos panfletária, mas que neste caso encerra alguma sugestiva verdade. Apetece dizer que Wim Wenders é o mais português dos cineastas alemães. Há, pelo menos, duas boas razões para isso. Ou seja: precisamente os dois filmes que ele realizou em Portugal e que emprestam a sua simbologia ao poster deste ano do Lisbon & Sintra Film Festival. Num deles, o fio condutor é a música dos Madredeus.
Foi em 1994, há exactamente um quarto de século que Wenders veio a Portugal para encenar a aventura estética de um cineasta que tenta concluir um filme a partir de sons já gravados. Foi, de facto, uma viagem a Lisboa, ou uma “Lisbon Story”, de acordo com o título internacional do filme. Nele se discutia a enigmática origem das próprias histórias que contamos ou filmamos — e quem dava voz a essa interrogação era Manoel de Oliveira.
Na dicotomia do próprio festival, Lisboa/Sintra, “Lisbon Story” é, obviamente, o filme de Lisboa, sendo “O Estado das Coisas” (1982) o filme de Sintra, mais exactamente da Praia Grande. Aí encontramos uma equipa de cinema a viver momentos de impasse: os problemas orçamentais e a falta de película para continuar a filmar transformam as personagens de “O Estado das Coisas” numa pequena tribo a lutar pela sua própria sobrevivência artística e simbólica, envolvida pela música de Jürgen Knieper.
Ponto importante na construção dramática de “O Estado das Coisas” é a viagem geográfica e simbólica da personagem do realizador de cinema, interpretado por Patrick Bauchau. A sua ânsia de filmar leva-o das paisagens de Sintra aos cenários de Los Angeles, quer dizer, ao coração de Hollywood. Wenders pontua essa viagem poética e trágica com música genuinamente “made in USA” — é o caso de “Standin’ at a Big Hotel”, um delicioso exercício country rock na voz de Joe Ely.