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Julia Ducournau optou pelo fantástico na candidatura a uma segunda Palma de Ouro em Cannes. A realizadora de 41 anos apresentou “Alpha”, protagonizado por Tahar Rahim e Golshifteh Farahani, a história de uma família confrontada com uma epidemia misteriosa.

Menos violento do que “Titane”, o filme que lhe valeu a vitória em 2021, “Alpha” é uma fábula familiar que recorre aos ingredientes preferidos de Ducournau: corpos mutantes, sangue e fantasia.

Alpha é uma rapariga de 13 anos interpretada pela estreante Mélissa Boros. A personagem vive num mundo que se está a desmoronar. Uma doença transmitida pelo sangue que ninguém se atreve a nomear está a causar estragos. Incurável, os infetados tornam-se progressivamente petrificados. Acolhidos pelos poucos hospitais que se atrevem, acabam por se transformar em estátuas de pedra.

A mãe de Alpha, interpretada por Golshifteh Farahani, é uma dessas médicas corajosas. Mas quando a filha faz uma tatuagem no braço com uma agulha que não esterilizada, entra em pânico: estará a criança infetada?

Em casa, a mãe de Alpha acolhe o irmão, tio da adolescente, um toxicodependente que contraiu o vírus: para o papel, um esquelético Tahar Rahim perdeu 20 quilos e esteve três meses a trabalhar com assistentes sociais, ao lado de toxicodependentes em Paris.

Nunca mencionada pelo nome, a doença e a psicose que a rodeia fazem lembrar furiosamente os primeiros tempos da epidemia de SIDA, nos anos 1980.

“Os adultos, ou não falavam sobre o assunto, ou mentiam. Havia a ideia, que ainda existe, de que as crianças deviam ser protegidas de tudo. O problema é que o assunto estava em todos os noticiários, constantemente, em todo o lado. Mesmo no recreio da escola, assim que alguém sangrava, o dedo era-lhe apontado. As pessoas não queriam aproximar-se dele. Em dois segundos, podíamos encontrar-nos sozinhos no mundo. Temos tendência a esquecer que isso aconteceu”, disse Julia Ducournau à AFP.

“Alpha é uma personagem cuja vida começa num mundo onde tudo morre”, continuou a realizadora, que também falou da época atual, que a mergulha num “estado de estupefação”. “Sentindo a areia ceder sob os meus pés, voltei ao primeiro momento da minha vida em que tive essa mesma impressão, a impressão de um apocalipse iminente”, o do início da SIDA quando era criança.

Os traumas ligados ao sexo e à morte, transmitidos de geração em geração nesta família francesa, filmados com ternura, estão também no centro desta longa-metragem.

“O que acontece nesta família é para mim uma forma de mostrar que a única resposta lógica a tudo isto é amarmo-nos uns aos outros”, acrescenta a cineasta. Para ela, a partir do momento em que começa a filmar, “o filme já existe na sua cabeça, exatamente, precisamente”, disse a atriz Golshifteh Farahani à AFP. No seu cinema, “não se pode fazer perguntas, é preciso confiar”.

“Alpha” é um dos 22 filmes em competição para a Palma de Ouro que será atribuída no sábado por um júri presidido pela francesa Juliette Binoche.

  • AFP
  • 20 Mai 2025 09:32

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