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A personagem recorrente nos filmes de Tarik Saleh governa com mão de ferro um país de 110 milhões de habitantes. A sombra do presidente egípcio, al-Sissi, presente em “A Conspiração do Cairo” (2022), está mais do que nunca na mira de “Águias da República”, um dos candidatos à Palma de Ouro no Festival de Cannes.

“Não é que eu seja um grande admirador de al-Sissi e queira colocá-lo em cada um dos meus filmes, mas não tenho escolha, porque ele é uma constante”, disse à AFP o cineasta sueco de origem egípcia, vencedor do prémio de argumento em Cannes em 2022. “Ele permanecerá no poder até à sua morte”.

“Águias da República”, último episódio do tríptico político-religioso de Tarik Saleh, empresta sonhos de grandeza cinematográfica ao antigo general septuagenário, que comanda o Egito desde 2013.

Estrela de cinema local, pai ausente e amante infiel, George Fahmy (interpretado por Fares Fares) é abordado por um conselheiro presidencial para interpretar o papel de al-Sissi num filme biográfico à sua glória, em que o golpe que o levou ao poder se transforma numa “revolução popular”.

Fahmy resiste, tanto por convicção como por insubordinação. Ameaças e pressões obrigaram-no a aceitar o papel do general que, para efeitos de propaganda, foi transformado em herói do povo. “Al-Sissi tem uma espécie de anticarisma como Putin, o tipo de anticarisma que se torna icónico”, diz Tarik Saleh, que também escreveu o argumento.

Vendendo a alma aos militares, George Fahmy, conhecido como “O Faraó do Ecrã”, penetra gradualmente nos círculos do poder, onde a paranoia e as conspirações tornam o ar irrespirável. Até chegar a um final explosivo.

Nos regimes autoritários, “há sempre uma revolução palaciana”, diz Saleh. “É assim que o reinado desta gente termina. Não virá da oposição (…) Putin será naturalmente morto por alguém do seu círculo”, prevê.

O clima de intriga e traição que permeia o enredo de “Águias da República” não é de todo fictício, diz o realizador, nascido em Estocolmo, filho de mãe sueca e pai egípcio.

“É a realidade, mesmo que seja ficção. Na ficção, tudo tem de ser verdade”, acrescenta Tarik Saleh, segundo o qual o exército egípcio financia muitos filmes de grande orçamento que não são susceptíveis de prejudicar a sua imagem.

Desde “Cairo Confidencial” (2017), que se desenrola durante a queda do ditador Hosni Mubarak (ocorrida em 2011), o cineasta tornou-se “obsessivo” pelo funcionamento interno do poder egípcio. Sou um “nerd” no assunto”, resume o realizador de 53 anos, que diz ter mantido contactos estreitos com a comitiva do Presidente al-Sissi.

Dada a ferocidade da acusação, o filme, tal como os anteriores de Saleh, teve de ser rodado na Turquia. E é muito pouco provável que seja visto nos cinemas do Egito, país sujeito a censura.

O ator preferido de Saleh, o libanês-sueco Fares Fares, conhece bem a liberdade artística que reina, pelo contrário, no Ocidente. “Temos o luxo de poder fazer o que quisermos”, diz o ator de 52 anos, em entrevista à AFP. “Mas ninguém está seguro” e “toda a gente está sob pressão”, acrescenta.

  • AFP
  • 20 Mai 2025 09:50

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