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08 Jun 2025

A amizade improvável entre duas mulheres que se conhecem na sala de visitas de uma prisão onde os maridos estão detidos é o tema da longa-metragem “A Prisioneira de Bordéus”.

Patricia Mazuy junta duas desconhecidas que, se não fossem as circunstâncias da vida, nunca se cruzariam:

É a história de uma improvável amizade entre duas mulheres que, provavelmente nunca se teriam conhecido, mas que se encontram nos centros de acolhimento, ou seja, antes da sala de visitas da penitenciária, porque ambas vão visitar os respetivos maridos que estão na prisão.

Uma delas é uma mulher da classe média, rica e solitária, que finge que tudo corre bem na sua vida, quando, na realidade, está completamente sozinha. E a outra é uma mulher com dois filhos, oriunda de um bairro social. É uma mulher pobre que se vê obrigada a gerir a própria vida.

Perante os entraves colocados para aceder às prisões, a cineasta francesa Patricia Mazuy esteve quase para desistir do projeto. Foram os encontros com mulheres detidos que lhe deram força para realizar “A Prisioneira de Bordéus”:

É muito complicado entrar em abrigos e prisões. São necessárias autorizações que demoram muito tempo. Desanimei e quase desisti. Conhecer as mulheres na sala de visitas foi o que me fez fazer o filme. Mas antes de o poder fazer, antes de as conhecer, tinha de obter as autorizações nem que fosse para entrar nas salas de visita e conhecer algumas delas.

Tinha visto documentários sobre o assunto, em particular uma série de documentários muito poderosos sobre o ambiente prisional e também sobre os centros de acolhimento, os abrigos. Isso ajudou-me a perceber o que estava à procura para realizar o filme.

O estabelecimento prisional, a casa de acolhimento e os parlatórios foram reconstituídos em estúdio, mas as figurantes são pessoas reais, mulheres que vão visitar os companheiros. A realizadora conheceu estas mulheres durante a preparação do filme e trabalhou com elas antes das filmagens:

Há cenas importantes que se passam no centro de acolhimento. As figurantes são mulheres que iam visitar os maridos e com quem depois trabalhei durante o verão para que pudessem adaptar-se aos constrangimentos técnicos das filmagens e para que fosse uma aventura para elas.

Não é um documentário. Podemos até dizer que é um falso documentário, mas completamente escrito, uma ficção, e filmámos em estúdio.

Era importante perceber se vivem momentos difíceis antes da hora da visita, porque não é divertido ir ver alguém na prisão, porque temos de deixar as nossas coisas num cacifo. Enfim, há muitas regras.

Estas mulheres têm uma enorme vitalidade e resiliência, têm um grande sentido de humor e, ao mesmo tempo, são todas muito solitárias, apesar de, por vezes, conhecerem umas às outras e de estabelecerem laços e tudo isso. Ajudou-me muito a conhecê-las. Todas as mulheres que atuam no filme, no centro de acolhimento, são mulheres que têm entre três e 11 anos de experiência de sala de visitas nas prisões.

“A Prisioneira de Bordéus” levanta a questão de quem é que é mesmo aprisionado. Patricia Mazuy, pretende que seja uma reflexão para todos:

Abre uma janela sobre a vida das mulheres e das famílias dos reclusos que estão muito dependentes das idas ao parlatório e cujas vidas são viradas do avesso e condicionadas para estas visitas. Mesmo que elas estejam cá fora, livres, é como se fossem também prisioneiras.

Depois, o filme é um pouco comédia e um melodrama, mas, acima de tudo, é um filme com duas grandes atrizes, Isabelle Huppert e Hafsia Herzi.

Hafsia Herzi tem o papel de Mina, uma empregada doméstica que vive nos subúrbios e tem o marido na prisão.

Isabelle Huppert é Alma, uma mulher da classe média, cujo marido médico está detido. É uma mulher misteriosa, enclausurada pela própria vida:

Alma é talvez a verdadeira prisioneira, apesar de ser aquela que parece ter mais liberdade. Porque liberdade significa espaço e dinheiro.

Bem, tem um marido na prisão, é verdade, isso não é muito agradável, mas tem tudo o que precisa para viver. No final, talvez seja ela a que está mais presa de todas, porque nada lhe corre bem na vida, seja na vida amorosa, ou na vida criativa.

Percebemos que já foi bailarina e que desistiu de tudo, que o marido já não a ama, ela talvez ainda o ama. Ambos estão presos nos seus sentimentos. Ao mesmo tempo, ela não é uma personagem melancólica, é um pouco surpreendente, caprichosa. Não que seja sombria, é mais misteriosa. Isso dá-lhe mais complexidade o facto de estar sempre um pouco brincando, ou aprendendo sobre as coisas de uma forma exagerada.

Isabelle Huppert admira as características e a personalidade da personagem Alma:

É uma mulher atual sem cair em estereótipos. O que é interessante é que mostra uma mulher numa época extremamente contemporânea e mostra um modelo de mulher que nos parece um pouco ultrapassado, mas que ainda existe. Mas a realizadora fá-lo de outra forma, pouco convencional.

O facto da personagem estar sempre alegre e despreocupada faz com que não caia no estereótipo da Madame Bovary, da mulher melancólica e desesperada.  A facilidade com que aceita a reviravolta final como sendo a melhor maneira de escapar à vida que leva, isso é realmente formidável.

Para Isabelle Huppert, o filme “A Prisioneira de Bordéus” pode ser uma parábola idealizada a partir da aproximação de duas mulheres provenientes de classes sociais distintas:

O filme tornou-se quase uma parábola, com a ideia que, ao perder tudo, ela ganha o tudo. Ao esvaziar-se, ela pode finalmente aprender a viver de novo. Mas é tudo muito leve e, por vezes, muito brutal. Há também momentos de grande tensão quando sentimos que as diferenças fundamentais de classe entre as duas personagens são muito difíceis de conciliar.

Por exemplo, quando Mina chega à casa da Alma na noite de uma festa com todos os amigos da classe média, eles confundem-na com a empregada. Cria-se uma sensação de desconforto e é uma forma muito brutal e embaraçosa de o filme mostrar como a sociedade classifica as pessoas dependendo de onde vêm e do que representam.

Para a interpretação da personagem, Isabelle Huppert teve presente a violência dos espaços prisionais e foram inspiradoras as histórias de vida das mulheres de detidos que participam no filme:

Sabíamos que estávamos rodeados por pessoas que, na maioria, que iam realmente visitar as famílias. Claro que também é preciso saber observar e via como faziam e sabia pelo que estavam a passar porque a realizadora me contava.

Não foi preciso fazer pesquisa. Só tinha de estar lá, de estar com ela. E, depois, estas mulheres que têm muita dignidade também estão lá no seu quotidiano. Sabia que havia uma que visitava o marido há vários anos e tinha filhos pequenos. Bem, não queremos ter pena delas porque elas também não têm pena de si próprias. Têm muita coragem e dignidade.

“A Prisioneira de Bordéus” é uma história de amizade improvável entre duas mulheres com visões diferentes do mundo, que se cruzam no parlatório de uma prisão.

  • Margarida Vaz
  • 08 Jun 2025 14:55

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