15 Mai 2014 22:31
É bem verdade que um festival de cinema pode ser, de uma só vez, uma montra para as narrativas do mundo e um painel de informações sobre o próprio mundo. "Timbuktu", de Abderrahmane Sissako, integrado na competição de Cannes, é um bom exemplo dessa dualidade: um filme sobre uma zona do Mali dominada por fundamentalistas islâmicos e uma contribuição didáctica para nos inteirarmos de uma situação de profundo dramatismo.
Sissako é um cineasta da Mauritânia radicado em França desde os anos 90, mas que manteve uma relação regular e empenhada com os temas do seu país e do norte de África. Neste caso, trata-se de fazer o retrato de um recanto do Mali a que os extremistas religiosos impuseram modos de vida que, além de brutalmente repressivos, visam em particular as mulheres.
A acção do filme é muito simples e, ao mesmo tempo, muito perturbante. Tudo se passa em torno de uma família e do seu gado, numa rotina aparentemente sem sobressaltos que vai ser posta em causa por uma diferendo com um pescador… A partir daí, assiste-se a um crescendo de violência que se vai traduzir na imposição de uma "lei" desumana e arbitrária.
Sissako filma de forma directa, por assim dizer realista, embora sem abdicar de uma certa dimensão metafórica, nomeadamente na encenação das crianças. "Timbuktu" é um daqueles filmes que, através da estranheza dos seus sinais e das singularidades dos seus eventos nos faz sentir, afinal, uma tocante proximidade afectiva com os dramas das suas personagens mais vulneráveis.