18 Mai 2014 1:02
A questão não é nova — cinematograficamente, é mesmo ancestral. A saber: como tratar em filme uma personagem real que teve (e tem) uma dimensão mais ou menos lendária ou mitológica?
Mas é, pelos vistos, uma questão em regular processo de reconversão. Este ano, em Cannes, já tinhamos visto, fora de competição, "Grace de Monaco", o filme de Olivier Dahan sobre Grace Kelly e as suas atribulações conjugais e políticas; agora, a concurso, surgiu "Saint Laurent", de Bertrand Bonello, sobre essa referência quase transcendental do mundo da moda que é Yves Saint Laurent (1936-2008).
Em boa verdade, para o melhor e para o pior, mesmo revelando um apuro visual mais elaborado que o de Dahan, Bonello não tem uma perspectiva simbolicamente muito diferente. Dito de outro modo: Yves Saint Laurent emerge como figura santificada (será preciso acentuar o trocadilho que o título, habilmente, sugere?) que passeia a sua condição de excepção pelo mundo sempre limitado dos "outros" humanos… Nesse aspecto, a composição de Gaspard Ulliel, de tão mecânica, não chega a ser minimalista.
Não se trata de discutir tal visão — afinal de contas, Yves Saint Laurent foi mesmo um génio da alta costura (disso aliás testemunhando os vestidos que vamos vendo, cena sim, cena não). O certo é que o seu acomodado maniqueísmo cedo vai encerrando o filme numa vistosa "passagem de modelos" (é caso para dizê-lo) que não se altera muito através da frontalidade com que Bonello evoca a saúde frágil do seu protagonista, agravada pela dependência das mais variadas substâncias.
Na actual conjuntura do cinema (francês ou não), este é um daqueles filmes que, para lá do fausto em que nos envolve, se vai esgotando no próprio efeito-cinema, determinista e fechado, que conduz a sua visão. Não vem daí grande mal ao mundo, mas o seu labor deixa o cinema nas paisagens cómodas de um decorativismo sem alegria ou profundidade.