5 Set 2014 18:35
A combinação entre ficção e documentário é cada vez mais frequente e o realizador russo Andrei Konchalovskiy levou isso a uma situação extrema em "The Postman’s White Nights", um filme rodado no interior da Rússia, nas margens do deslumbrante lago Kenozero.
O realizador reuniu um elenco formado por habitantes de uma pequena aldeia. Eles não têm qualquer experiência de representação e assumem os seus próprios papéis e as relações que estabelecem uns entre os outros. Através deste dispositivo, Konchalowskiy consegue retratar uma comunidade profundamente rural, dramatizando e documentando os seus hábitos de vida.
O enredo é totalmente flexível e desenvolvido em função da dinâmica que se vai gerando. A figura condutora é Aleksey Tryaptisyn um carteiro que percorre o lago de lancha, entregando o correio, resolvendo problemas práticos do dia-a-dia e estabelecendo uma ligação entre o mundo exterior e o local isolado onde vive.
Desta forma, o realizador documenta a vivência numa aldeia perdida no tempo, condenada a morrer, com uma população envelhecida e que mantém hábitos muito tradicionais, quase ancestrais, face à evolução social da Rússia e da Europa de leste contemporânea.
É um filme pós soviético mas que preserva o que resta desse tempo imperial. Observando este local, Konchalovskiy procura vislumbrar a dimensão esmagadora do universo. Através do seu olhar contemplativo e poético consegue suspender o tempo.
Konchalovskiy realizou a sua obra mais consistente desde que deixou de filmar em Hollywood, onde rodou "Os Amantes de Maria", "Comboio em Fuga" e "Gente Estranha", na segunda metade da década de 80 do século passado.
Não deixa de ser irónico. Esta é uma obra de um realizador que parecia ter perdido o fôlego criativo e que regressou às raízes mais profundas do seu país para surpreender o mundo do cinema com um olhar vital. A sua quinta presença no Festival de Veneza pode ser premiada com o Leão de Ouro.