10 Nov 2014 0:03
Desde a sua passagem em Cannes (numa sala alugada pela distribuição, fora de qualquer secção do festival), "Welcome to New York" é um objecto que suscita o rótulo de polémico. E, como é óbvio, é fácil perceber porquê: ao encenar o seu Devereaux (Gérard Depardieu), figura poderosa das finanças internacionais, agredindo sexualmente uma empregada do hotel de Nova Iorque em que está hospedado, o realizador Abel Ferrara convoca os sinais do escândalo que, em 2011, envolveu o então director do FMI, Dominic Strauss-Kahn.
Perante a passagem do filme de Ferrara na oitava edição do LEFFEST, creio que valerá a pena formular duas ideias muito simples: primeiro, que o filme pode (e, a meu ver, deve) ser encarado para além de qualquer efeito mediático acelerado e impressionista; segundo, que Ferrara não quis fazer uma "crónica" de um fait divers, mas sim recuperar a história de Strauss Kahn (alterando por completo os nomes das personagens) para relançar o tema, central no seu cinema, da redenção humana.
Nesta perspectiva, creio que será pertinente acrescentar que somos confrontados, não com o escândalo como uma categoria da imprensa (ou televisão) tablóide, mas sim com o seu avesso. Por um lado, Ferrara não exclui nada do que faz de Devereaux uma personagem monstruosa (ele o diz, aliás, numa das cenas do filme); por outro lado, "Welcomo to New York" pergunta se, algures, num recanto da tolerância divina, haverá para ele alguma possibilidade de redenção.
São interrogações que importa pensar e discutir, não através do "diz-que-diz" da comunicação social mais populista, mas sim a partir dos elementos que estão no próprio filme — espera-se, por isso, que a passagem de "Welcome to New York" no LEFFEST seja um sinal da sua próxima estreia nas salas.