16 Mai 2015 0:49
Será que o assombramento da morte faz da existência humana uma trajectória sem sentido, tendencialmente arbitrária e vazia? Ou será que, pelo contrário, o modo como cada um lida com a certeza indizível da morte envolve também a construção de um destino, tacteante, indecifrável, porventura redentor?
São interrogações que têm ecoado na selecção oficial de Cannes — primeiro, aconteceu com “An”, da japonesa Naomi Kawase, na abertura da secção “Un Certain Regard”; agora, tudo se repete (com muitas diferenças, claro) através do regresso de Gus Van Sant à corrida para a Palma de Ouro (ele que ganhou em 2003, com “Elephant”).
Sendo sobre o enfrentamento da morte, o filme de Gus Van Sant, "The Sea of Green", é também, indissociavelmente, sobre uma forte pulsão suicida. Não é simples descrevê-lo sem revelar detalhes que, obviamente, devem ser preservados para o espectador. Em qualquer caso, digamos que tudo começa com a viagem de Arthur Brennan (Matthew McConaughey) ao Japão, dirigindo-se a uma paisagem remota para pôr termo à vida…
Percebemos, depois, que o seu gesto extremo decorre de uma existência de muitas frustrações com a sua mulher Joan (Naomi Watts). Mais do que isso: vamos compreendendo também que o trajecto de Joan, também ele pontuado pela possibilidade da morte, existe como uma espécie de simetria afectiva das atribulações de Arthur.
Acima de tudo, Gus Van Sant consegue uma assinalável proeza: a de criar um misto de realismo e transcendência — em grande parte induzido pela personagem japonesa Takumi Nakamura (Ken Watanabe) — em que todos os limites da existência humana vão ser postos à prova.
O resultado é um objecto transparente e, ao mesmo tempo, profundamente enigmático sobre os espaços de partilha de dois seres humanos. Dito de outro modo: este é um filme sobre o próprio cinema face às fronteiras da sua visibilidade, quer dizer, à atracção do que nele é invisível. No fundo, “The Sea of Trees” recupera o gosto encantatório de algum cinema clássico. E porque Gus Van Sant é um cineasta com memória, convém dizer que não será por acaso que o seu filme cita um autor que pode simbolizar tal gosto: Vincente Minnelli.