26 Fev 2016 16:03
Foi em 2015, face às nomeações para os Oscars, que April Reign, uma jornalista novaiorquina, criou na sua conta do Twitter a hashtag que viria a adquirir uma dimensão quase lendária: #OscarSoWhite. Um ano depois, a expressão tornou-se o símbolo nuclear de um debate que continua a agitar, não apenas o cinema de Hollywood, mas a sociedade americana — em jogo está a representação, ou a ausência de representação, das minorias, em especial dos afro-americanos, nos Oscars (e, de um modo geral, nas instâncias sociais).
Na prática, muitos têm sido os que, entre a contundência militante e a serenidade pedagógica, foram chamando a atenção para o problema — entre eles incluem-se os nomes de David Oyelowo (intérprete de Martin Luther King em “Selma”), Lupita Nyong’o (Oscar de melhor actriz secundária em “12 Anos Escravo”), George Clooney, Spike Lee, Reese Witherspoon e… Barack Obama.
E não é fácil, de facto, encontrar um patamar de equilíbrio para lidar com as questões que vão surgindo, quanto mais não seja porque há posições que, com pueril facilidade, passam da análise ideológica e política para o mais lamentável tom panfletário. Peter Travers, por exemplo, crítico da revista “Rolling Stone”, ao reagir contra a quase total ausência na corrida aos Oscars de “Straight Outta Compton” (sobre o nascimento do grupo de hip hop N.W.A.), aponta mesmo um facto que considera lamentável: é que o filme foi nomeado na categoria de argumento original, mas o argumento foi escrito por… dois brancos!
Outros títulos, ou algumas das suas personalidades, têm sido frequentemente citados como objecto do mesmo tipo de marginalização de afro-americanos, em particular nas categorias de representação. Assim, ficaram de fora das nomeações Samuel L. Jackson (“Os Oito Odiados”), Michael B. Jordan (“Creed: O Legado de Rocky”), Will Smith (“A Força da Verdade”) e Idris Elba (“Beasts of No Nation”).
Problema delicado, sem dúvida, quanto mais não seja porque, conscientemente ou não, corremos o risco de reduzir a complexa história de brancos e negros (ou de qualquer outro grupo social) no interior dos EUA a uma questão estatística, condensável numa tabela de percentagens… Ao mesmo tempo, importa lembrar que a própria Academia de Hollywood, compreensivelmente evitando ampliar a discussão mediática, reconheceu a necessidade de repensar as suas estruturas e as condições de admissão dos seus membros, de modo a garantir o máximo de diversidade.
Enfim, digamos que tudo isto permanece em aberto, até porque as clivagens expostas na comunidade cinematográfica não podem ser ignoradas. Seria, por certo, pouco inteligente que a gestão da criatividade cinematográfica — desde a produção dos filmes até à sua leitura crítica — fosse reduzida a um qualquer mecanismo de quotas.
Para já, esperemos que Chris Rock, apresentador desta 88ª edição dos Oscars, seja um exemplo de humor, sensatez e inteligência capaz de lidar com os sinais, graves e ligeiros, transparentes ou enigmáticos, de tudo o que está em jogo.