9 Nov 2016 1:09
Na grande retrospectiva que o Lisbon & Estoril Film Festival está a dedicar a Jean-Luc Godard, há uma colecção fascinante de raridades. Nelas se incluem os títulos da chamada "fase militante", alguns programas televisivos e, em particular, os dois títulos que integram a sessão da noite de quarta-feira: "Meeting WA" (1986) e "King Lear" (1987).
São, por assim dizer, dois objectos selvagens, desafiando os próprios códigos que evocam ou os justificam. O caso de "Meeting WA" é absolutamente desconcertante: correspondendo a um convite, Godard vai a Nova Iorque para entrevistar Woody Allen, acabando por criar uma situação em que o diálogo tem tanto de insólito como de impossível — em boa verdade, é um diálogo de duas solidões.
A aventura de "King Lear" é ainda mais insólita, quanto mais não seja porque na sua gestação está o estabelecimento de um contrato entre Godard e Menahem Golan, da Cannon Films, produtora, por exemplo, de filmes de "acção" de Chuck Norris — da mitologia do filme, faz mesmo parte a assinatura do respectivo contrato durante uma refeição, num guardanapo…
Woody Allen está também presente nesta versão perversa de Shakespeare, tal como Julie Delpy ou Norman Mailer. O resultado pode resumir-se como uma deambulação através das formas de poder, com Godard (também actor) a encenar-se como um criador que discute o seu próprio lugar no cinema de finais da década de 80 — perturbante, inclassificável, fascinante.
> Nimas, dia 9, 21h45