17 Dez 2016 23:28
Ao descobrirmos um filme como "Fogo no Mar", de Gianfranco Rosi (Urso de Ouro em Berlim/2016), as memórias remetem-nos para os filmes italianos que tão bem souberam cruzar ficção e documentário. E, em particular, para a filmografia de Roberto Rossellini. E, dentro da filmografia de Rossellini, para um especialíssimo objecto datado de 1948, chamado "Alemanha, Ano Zero".
O trailer italiano apresentava assim o filme de Rossellini: “Este filme rodado em Berlim durante o Verão de 1947 não pretende ser mais que um retrato objectivo e fiel desta imensa cidade semi-destruída onde três milhões e meio de pessoas levam uma existência terrível, desesperada, quase sem se darem conta — vivem na tragédia como se fosse o seu elemento natural”. Dito de outro modo: pouco depois do fim dos combates da Segunda Guerra Mundial, Rossellini foi a Berlim para registar a verdade brutal (e documental) de uma cidade e um país a tentar superar a herança trágica de um conflito devastador.
No centro dos acontecimentos está Edmund, um rapaz que deambula pelas ruas cheias de destroços, procurando encontrar soluções para ajudar a sua família a obter comida. Quando se cruza com um antigo professor, o Sr. Henning, julga ter encontrado um auxílio precioso — de facto, naquela paisagem de destroços, as coisas estão longe de ser transparentes…
O filme de Rossellini possui a intensidade de um genuíno documentário: as pessoas, as ruas, o ambiente opressivo de um mundo à deriva — tudo é apresentado em primeiro grau, por assim dizer, à flor da pele. Ao mesmo tempo, "Alemanha, Ano Zero" desenvolve-se com a energia de uma tragédia íntima e visceral. Num certo sentido, era também o cinema italiano e todo o cinema europeu que partiam de um ponto zero, procurando refazer a sua história, pensar o presente e imaginar o futuro.