Barry Jenkins: o seu

28 Fev 2017 15:29

Todos sabíamos que "La La Land" era (e é) um fenómeno invulgar: mesmo dividindo (e muito) os seus espectadores, o filme realizado por Damien Chazelle conseguiu, ao longo dos últimos meses, relançar uma certa ideia clássica de entertainment e, mais do que isso, recolocar o género musical na agenda de Hollywood.

Seja como for, ninguém desejaria que a equipa de Chazelle fosse exposta às atribulações que marcaram o final da 89ª cerimónia dos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood — mesmo sabendo que tudo resultou apenas de um compreensível erro humano, foi penoso e perturbante ver a equipa de "La La Land" a agradecer o Óscar de melhor filme para, em pouco mais de um minuto, dar lugar a Barry Jenkins e todos os seus vencedores…
De um ponto de vista cinéfilo, tais peripécias estão longe de ser indiferentes. E não apenas porque mancham o prestígio da Academia e da empresa PricewaterhouseCoopers (PwC) que gere a contagem e divulgação dos votos. Também porque aquilo que aconteceu no palco do Dolby Theatre foi demasiado importante para ser reduzido a uma anedota com uma punchline pouco feliz.
Lembremos, por isso, três vectores emblemáticos destes Óscares:
* ELOGIO DA DIVERSIDADE — mais do que nunca, os preconceitos tradicionais que falam do cinema de Hollywood como uma acumulação de "americanadas" podem e devem ser confrontados com os seus equívocos e mentiras. Não, não é verdade, que seja possível conhecer (muito menos compreender) Hollywood em função de três ou quatro campanhas gigantescas organizadas para vender os "blockbusters" de Verão (mesmo quando esses "blockbusters" possam ser filmes brilhantes) — da variedade dos seus temas à pluralidade dos seus registos narrativos, o cinema americano atravessa um período que justifica a nossa disponibilidade e inteligência de espectadores.
* ACUTILÂNCIA POLÍTICA — Não, não se trata de coleccionar anedotas mais ou menos picarescas sobre Donald Trump, muito menos de reduzir o espaço político a uma mera colecção de peripécias de "vaudeville" (mesmo quando alguns membros desse espaço possam favorecer tal imagem). A começar pela ovação dada a Meryl Streep (há poucas semanas descrita pelo Presidente dos EUA como uma actriz "sobrevalorizada"), Hollywood confrontou os discursos políticos com os seus próprios limites, reafirmando os valores nucleares da tolerância, da diversidade e, sobretudo, da imaginação artística.
* A COMUNIDADE GLOBAL DO CINEMA — O simples facto de o palco do Dolby Theatre ter acolhido profissionais de todo o mundo reforçou uma mensagem essencial: a comunidade de Hollywood revê-se e projecta-se na comunidade global do cinema. Mais do que nunca, em tempos das mais diversas e contraditórias formas (e métodos) de globalização, esse foi um valor cinéfilo e político que importa não descartar. Exemplo eloquente: a mensagem enviada pelo iraniano Asghar Farhadi (a sua realização "O Vendedor" arrebatou o Óscar de melhor filme estrangeiro).



Enfim, não esqueçamos o valor da performance de Jimmy Kimmel na apresentação destes Óscares. O protagonista de Jimmy Kimmel Live! soube garantir, antes de tudo o mais, a gestão dos inevitáveis sobressaltos de uma emissão televisiva em directo (incluindo o episódio dramático-burlesco da entrega do Óscar de melhor filme). Além disso, toda a sua performance — muitas vezes enraizada num elaborado jogo de contrastes de linguagem (dizer uma coisa para significar o seu oposto) — foi produto de uma teatralidade natural que, de alguma maneira, devolveu aos Óscares uma genuína dimensão humana.

  • cinemaxeditor
  • 28 Fev 2017 15:29

+ conteúdos