22 Nov 2017 22:44
Eis um hábito em grande parte consolidado, ao longo das duas últimas décadas, através do Festival de Cannes: hoje em dia, os mais variados certames de cinema dão especial importância aos filmes "antigos" — quer dizer, às memórias cinéfilas — e, em particular, à possibilidade de os (re)descobrir em cópias restauradas.
Assim acontece no LEFFEST, onde já foi possível ver, por exemplo, a cópia recentemente restaurada de "Belle de Jour" (1967), de Luis Buñuel.
Entre os títulos que ainda será possível ver ou rever, dois deles lidam com uma questão material e simbólica que, em boa verdade, assombra toda a modernidade cinematográfica. A saber: como é que o real se inscreve (ou não) na superfície das imagens?
* O SOL DO MARMELEIRO (1992), de Victor Erice
No panorama do cinema espanhol, mesmo com uma obra relativamente escassa (em número de títulos), Erice sempre se distinguiu pela capacidade de nos fazer sentir a pulsação interior do tempo — ou melhor, as marcas concretas e abstractas da duração. Esta é, por certo, nessa perspectiva, a sua longa-metragem mais radical, quanto mais não seja pela desarmante singeleza do seu ponto de partida: trata-se de registar a evolução de um quadro do pintor Antonio López, resultante da observação de uma árvore (um marmeleiro) no seu quintal. À medida que o quadro se consolida, compreendemos que o que nele fica registado é a magia do instante, mas também o tempo que passou — ou como o realismo é a mais bela das metafísicas.
— Monumental (dia 24, 16h15)
* BLOW-UP (1966), de Michelangelo Antonioni
Lançado, entre nós, com o subtítulo ‘História de um Fotógrafo’, trata-se, de facto, da história de uma imagem de um fotógrafo (David Hemmings, no papel mais emblemático de toda sua carreira). Quando fotografa uma mulher (Vanessa Redgrave), deambulando com um companheiro num jardim de Londres, ele vai entregar-se a uma obsessiva ampliação (blow-up) de uma das suas imagens, entrando numa vertigem cuja resolução parece impossível — afinal de contas, que resto do real fica fixado na vulnerabilidade de uma imagem. Depois de títulos decisivos como "A Aventura" (1960) ou "Deserto Vermelho" (1964), Antonioni saía de Itália para prosseguir, de modo radical, o seu questionamento da identidade humana nas novas sociedades de consumo.
— Centro Olga Cadaval (dia 25, 16h00)