9 Mai 2018 1:18
Se quisermos aplicar alguma simbologia à abertura da 71ª edição do Festival de Cannes, diremos que o certame escolheu celebrar o valor primordial da diversidade: "Todos lo Saben" é uma coprodução Espanha/França/Itália, falada em espanhol, protagonizada pelo par espanhol Penélope Cruz/Javier Bardem, contracenando com o argentino Ricardo Darín, com argumento e realização do iraniano Asghar Farhadi.
Em qualquer caso, num festival que se anuncia de muitos simbolismos, ligados a temas transversais da actualidade — desde a liberdade de expressão até ao combate contra todas as formas de assédio sexual —, talvez valha a pena ficarmos pelo mais básico. A saber: Farhadi reencontra os seus temas obsessivos, a começar pelo secretismo inerente ao espaço familiar, nessa medida propondo "Todos lo Saben" como novo capítulo de um processo criativo que passa por "Uma Separação" (2011), "O Passado" (2013) e "O Vendedor" (2016).
Dir-se-á que a língua espanhola introduz, aqui, um elemento de estranheza… Em boa verdade, só se menosprezarmos o essencial: em vez de encenar uma Espanha decorativa ou pitoresca, Farhadi dá-nos um espaço/tempo genuíno, essencial para contar esta história assombrada de um casal (Cruz/Darín) que, com o envolvimento de um amigo da família (Bardem), tenta resgatar a sua filha adolescente, evitando revelar o seu rapto à polícia por receio de que ela seja assassinada.
Enigma policial? Sim, poderemos dizê-lo. Mas importa acrescentar que o enigma mais visceral é aquele que aproxima (e separa) os membros de uma família, e também uma pequena comunidade, em que o saber comum não dito — todos lo saben — funciona como mecanismo insidioso de culpa moral e demissão afectiva. Se é verdade que, como nos ensinou Freud, a coesão de um grupo pressupõe todo um sistema de recalcamento(s), "Todos lo Saben" é também um filme sobre os logros da própria ideia de colectivo.