12 Mai 2018 2:38
Jean-Luc Godard não esteve em Cannes para apresentar o seu novo filme, "Le Livre d’Image". Mas não estaremos a exagerar se considerarmos que foi francamente excepcional a expectativa construída em torno da sua projecção, com uma sessão esgotada por um público que sabia ao que ia. Ou seja: mais um capítulo na continuada reflexão do autor de "Histoire(s) du Cinéma" em torno do poder singular das imagens, suas seduções e limites. O título o diz: como num livro.
Dizer que estamos perante um filme experimental será adequado, mas também, afinal, profundamente redutor. Porquê? Porque o cinema de Godard, desde os tempos heróicos da Nova Vaga até à integração das técnicas de video, sempre trabalhou a partir da noção de experiência. Que é como quem diz: filmar (com película, digital ou até mesmo 3D) não é "reproduzir" o mundo, mas perguntar o que significa isso de expô-lo, transfigurá-lo ou reinventá-lo através de imagens (e sons).
"Le Livre d’Image" relança, assim, alguns dos temas nucleares da obra godardiana e, em particular, das experiências mais recentes em torno da (i)materialidade da linguagem. A saber:
Neste filme que define o trabalho humano a partir da acção das mãos, Godard vai mais longe que nunca na citação/integração de fragmentos de filmes — incluindo alguns seus como, por exemplo, "Os Carabineiros" (1963), farsa política que antecipa o horror banal de muitos cenários contemporâneos, ou "Alphaville" (1965), fábula futurista integrando os cenários do seu presente [trailer]. Agora, cada um desses fragmentos surge tratado através das mais diversas formas de manipulação — das sobreposições até à integração de novas cores, passando pelos altos contrastes.
Aconteça o que acontecer, este é um momento fulcral de Cannes/2018: o reencontro com um artista sempre a redefinir o mapa da sua criatividade, questionando o olhar e pensamento do espectador. Na verdade, mais do que nunca, Godard define-se através de duas vias criativas, logo de linguagem, já enunciadas em "Deux ou Trois Choses que Je Sais d’Elle" (1966). A saber, escitor e pintor. Assim:
“O nascimento no mundo humano das coisas mais simples, a sua integração pelo espírito do homem, um mundo novo em que os homens e as coisas terão relações harmoniosas — eis o meu objectivo. É, afinal, tanto político como poético. Explica, em qualquer caso, a raiva da expressão. De quem? De mim. Escritor e pintor.”