15 Mai 2018 0:29
Através do particular, para alcançar o universal — pode ser esse o lema de vários filmes presentes, este ano, em Cannes. A nova realização do japonês Hirokazu Kore-eda surge como um bom exemplo, já que consegue transformar a história bizarra de uma família particular num conto moral sobre os próprios laços familiares — chama-se, em francês, "Une Affaire de Famille".
Dir-se-ia que o título inglês completa a informação geral sobre o filme: "Shoplifters" porque, realmente, a família que nos é apresentada sobrevive através de pequenos roubos, em que participam pais e filhos, sobretudo nos supermercados [fragmento]. Há nas personagens as marcas de uma exclusão enigmática, tanto mais paradoxal quanto o argumento é lançado através da integração de mais um elemento — uma menina que encontram, aparentemente abandonada…
Mesmo evitando revelar a súbita reconversão dramática que marca o final do filme, podemos dizer que "Une Affaire de Famille" é o retrato subtil de uma normalidade que, afinal, esconde alguns segredos perturbantes. Kore-eda encena tudo isso através de um realismo metódico em que casas e ruas, interiores e exteriores, se vão revelar muito para além das suas aparências — mais do que um cronista da família, ele é um contador de histórias sobre a própria possibilidade de existir família.
Não será dos títulos mais exuberantes nesta competição de Cannes mas ficará, seguramente, como um dos mais subtis. Além do mais, importa recordar que "Une Affaire de Famille" surge como um novo capítulo de uma trajectória criativa em torno dos mais contrastados temas familiares. Vale a pena citar outros momentos emblemáticos de Kore-eda, como "Ninguém Sabe" (2004), "Andando " (2008) ou "Tal Pai, Tal Filho" (2013) — este arrebatou o Prémio do Júri em Cannes.