31 Mai 2018 19:13
Seja qual for a história de cinema que consultemos, o nome de Marco Ferreri (1928-1997) surge sempre, automaticamente, ligado ao filme “A Grande Farra”. E importa dizer que isso acontece por razões muito pertinentes. Produzido em 1973, “A Grande Farra” ficou como um espelho cristalino, perverso e sarcástico, de um mal estar moral e social que, afinal, marcou aquele tempo, com as suas muitas heranças da década anterior e das suas ilusões libertárias.
O certo é que a obra de Ferreri tem raízes mais remotas, em particular através da sua ligação com a produção espanhola — lembremos o exemplo emblemático de “A Motoreta”, datado de 1960. Eis um filme que exibe já uma importante dimensão de crítica social, metódica e implacável. Essa dimensão reaparece noutros títulos dos anos 60 como “O Leito Conjugal”, “A Semente do Homem” e, muito em particular, no estranho e envolvente “Dillinger Morreu”.
Com “Dillinger Morreu”, Ferreri experimentou filmar um cenário normalíssimo (a habitação de um casal) como se fosse uma paisagem bizarra, um sonho, talvez um pesadelo. E repetiu a proeza em títulos tão originais como “Não Toques na Mulher Branca” (1974), “A Última Mulher” (1976) e, sobretudo, “Adeus, Macho”, uma parábola sobre o fim da humanidade, rodada em 1978 em cenários emblemáticos de Nova Iorque, com música do seu compositor fiel, Philippe Sarde.
Provavelmente, o derradeiro grande filme de Ferreri, “Contos da Loucura Normal” (1981), será também um dos mais auto-biográficos. É certo que tem como inspiração o universo do escritor Charles Bukowski, mas dir-se-ia que Ferrreri condensa aí o desencanto com que observa as relações humanas, agora já sem qualquer variação típica da comédia. Mesmo quando escutamos a canção “Smile Away the Rain”, interpretrada por Bernie Knee, o possível romantismo desemboca numa solidão austera, moralmente cansada, cinematograficamente pura.