7 Jun 2018 0:09
O género musical nunca terá sido um modelo profundamente enraizado na produção italiana. O que não nos impede de reconhecer que há uma multifacetada musicalidade que percorre muitos capítulos do cinema de Itália. Curiosamente, quem sempre se interessou pela música no cinema foi Federico Fellini. Com ironia, e também um toque de nostalgia.
No caso de "Ginger e Fred", a música parece vir de tempos remotos. E vem mesmo. São temas clássicos que serviram de pano de fundo a inesquecíveis momentos de dança com Fred Astaire e Ginger Rogers. Mas agora no presente em que o próprio filme foi rodado — Fellini encena um par que surge como uma reencarnação simbólica de Fred Astaire e Ginger Rogers.
Ginger é interpretada por Giulietta Masina, a mulher de Fellini. E Fred surge retratado pelo seu grande amigo Marcello Mastroianni. Tal como Fellini os encena, Ginger e Fred não são apenas uma memória nostálgica de uma idade de ouro do espectáculo — surgem também como novos figurantes de um outro tipo de espectáculo, agora televisivo, em que a sua arte, em boa verdade, passou a ser tratada de forma paternalista.
Realizado em 1986, “Ginger e Fred” ficou como um dos filmes que espelha de forma mais crítica, e também mais desencantada, o modo como Fellini observava o crescente populismo da televisão em Itália. Foi um dos seus títulos finais (só dirigiu mais dois, “Entrevista” e “ A Voz da Lua”, respectivamente em 1987 e 1990) — é um objecto que revemos agora como um retrato da produção italiana em meados da década de 80 e também uma evocação magoada dos tempos míticos de Fred Astaire e Ginger Rogers.