21 Mai 2019 2:24
Há uma tradição ou, pelo menos, uma tendência através da qual o cinema se interessa pela pintura. Para nos ficarmos por duas referências fortes da produção francesa, lembremos esses filmes sublimes que são "Paixão" (1982), de Jean-Luc Godard, e "Van Gogh" (1991), de Maurice Pialat — "Portrait de la Jeune Fille en Feu", apresentado na competição de Cannes, é um brilhante descendente de tais referências.
A realizadora do filme, a francesa Céline Sciamma, é alguém que sabe encenar os movimentos amorosos e as tensões sexuais muito para além de qualquer codificação conservadora dos desejos ou dos géneros — lembremos apenas o caso exemplar de "Tomboy/Maria-Rapaz" (2011), um dos grandes acontecimentos do Festival de Berlim de 2011.
Agora, ela faz aquilo que se pode chamar o retrato de um retrato. Situada em 1770, esta é, de facto, a história da produção de um pintura que se transforma num acto de amor entre as suas protagonistas: Marianne é a pintora encarregada da encomenda, Heloïse a jovem retratada — isto sem esquecer que o retrato se destina a ser apresentado ao noivo de Heloïse, noivo a que não foi apresentada…
O filme pode definir-se como um ritual de descoberta, revelação e entrega em que a pintura envolve a vibração e todas as ambivalências que os gestos amorosos podem conter. E se é verdade que Sciamma se revela uma cineasta cada vez mais depurada e sofisticada, não é menos verdade que "Portrait de la Jeune Fille en Feu" deve muito às extraordinárias Noémie Merlant e Adèle Haenel (respectivamente como Marianne e Heloïse) — prémio de interpretação "ex-aequo"?