17 Ago 2019 0:47
Ao descobrirmos esse filme prodigioso que é "Era uma Vez em Hollywood", não podemos deixar de reconhecer um aspecto muito particular: Quentin Tarantino continua a ser um mestre na arte de conjugar as acções com a música e, em particular, as canções. Dito de outro modo: não há canção, não há peça musical que surja como banal "pano de fundo" — tudo faz parte de uma dramaturgia hiper-controlada.
Vale a pena revisitarmos algumas memórias musicais de Tarantino, começando por um dos seus mais admirados compositores: o italiano Ennio Morricone. Em 2015, na sua oitava longa-metragem, “Os Oito Odiados”, Quentin Tarantino contou com uma banda sonora assinada, precisamente, por Morricone.
Para Tarantino, tratava-se do encontro com um mestre e, mais do que isso, da reinvenção de um modelo de espectáculo enraizado em memórias do “western spaghetti” e do cinema popular de Série B. Afinal, tudo tinha começado em 1992, com o emblemático “Cães Danados” — este é o som dos suecos Blue Swede, numa versão de um grande sucesso pop, “Hooked on a Feeling”, com data de 1974.
Os Blue Swede constituem um exemplo que vem do exterior dos EUA mas que, em qualquer caso, ilustra a relação de Tarantino com a música popular do seu país e, em particular, com os sons pop/rock, muitas vezes contaminados pelo Rhythm and Blues e a soul. Exemplo clássico entre os clássicos está no filme “Jackie Brown”, de 1997, com o lendário “Baby Love” — Diana Ross, Florence Ballard e Mary Wilson, ou seja, The Supremes.
Na verdade, a música nunca é meramente ilustrativa ou decorativa. Ou seja: cada vez que surge uma canção na banda sonora, essa canção participa da própria acção, seja através da sua intensificação, seja num registo de ironia e distanciação. No caso de “Kill Bill”, um filme em duas partes, ou melhor, dois volumes (lançados em 2003-2004), Tarantino encenava Uma Thurman como perita em artes marciais e recorria mesmo à voz de Meiko Kaji, uma referência muito popular da música e do cinema do Japão.
Uma Thurman tornou-se uma referência fetiche do cinema de Tarantino ao contracenar com John Travolta em “Pulp Fiction”. Foi, afinal, o filme que deu ao nome de Tarantino uma dimensão popular e mítica, de algum modo desencadeada pela sua Palma de Ouro, em 1994, no Festival de Cannes. Numa cena inesquecível, Uma Thurman e Travolta dançavam ao som de “You Never Can Tell”, de Chuck Berry — que é como quem diz: um encontro de clássicos.
A banda sonora de "Era uma Vez em Hollywood" é mais um exemplo admirável de revisitação de uma época — neste caso, as atribulações cinematográficas, políticas e morais do ano de 1969 no interior dos EUA —, definindo uma ambiência musical que se articula com as peripécias da acção, os gestos dos actores, enfim, a vibração dos lugares.
Um exemplo modelar poderá ser o tema "Hush", pelos Deep Purple; em baixo, fica a lista das canções que passam por "Era uma Vez em Hollywood".
1. Treat Her Right – Roy Head and the Traits