Tom Courtenay em

15 Ago 2020 0:58

Face à situação de pandemia, sejamos, de uma só vez, realistas e pragmáticos. Assim, é verdade que o mercado está carente de títulos provenientes da grande produção americana: "bons" ou "maus" (por certo, "bons" e "maus"), o seu papel financeiro é incontornável. Ao mesmo tempo, não é menos verdade que as recentes performances de diversas salas independentes — por exemplo, Nimas e Ideal, em Lisboa, ou Trindade, no Porto — confirmam algo que alguma crítica não tem deixado de sublinhar ao longo das últimas décadas: a importância de programações alternativas, em particular na recuperação de memórias mais ou menos distantes, historicamente fundamentais.

Agora, no Nimas, a Medeia Filmes propõe mais uma dessas variantes (de 14 de Agosto a 2 de Setembro): uma revisitação da "Nova Vaga" inglesa.
O mínimo que se pode dizer é que na sua brevidade — 5 realizadores, 9 filmes — se trata de uma amostra de enorme valor informativo e simbólico. Dito de outro modo: as convulsões da modernidade, sobretudo ao longo da década de 60, não podem ser reduzidas à contribuição fulcral dos franceses. Houve também os portugueses, os brasileiros, os espanhóis, os checos e… os ingleses.
Com uma particularidade que vale a pena referir: todos os autores representados neste ciclo são também figuras emblemáticas das pontes de produção que sempre existiram entre o Reino Unido e Hollywood, em especial neste período de tão significativas transformações da herança clássica. Eis o quinteto que vale a pena (re)descobrir:

* TONY RICHARDSON (1928-1991) —
Terá sido um dos que, através de ficções de grande elaboração dramática, mais directamente reflectiu a riquíssima herança documental britânica. Com sua assinatura poderemos ver "A Taste of Honey/Uma Gota de Mel" (1961), expondo os temas fracturantes de uma nova juventude, e "The Loneliness of the Long Distance Runner" (1962), retrato da classe trabalhadora através da figura simbólica de um jovem internado num reformatório. Elemento fundamental na visão de Richardson é o subtil trabalho com os actores de uma nova geração — Rita Tushingham e Tom Courtenay, respectivamente. Tal atitude confirma-se no bizarro, desigual mas sedutor "Ned Kelly" (1970), biografia dramática & burlesca de um lendário fora-da-lei australiano da segunda metade do século XIX, com… Mick Jagger!

* RICHARD LESTER (n. 1932) —
Nascido nos EUA, mas indissociável da dinâmica da produção inglesa da época, foi o cineasta que filmou os Beatles nos inesquecíveis "A Hard Day’s Night" (1964) e "Help!" (1965). Está representado por "The Knack… and How to Get It/Lições de Sedução" (1965), também com Rita Tushingham, retrato íntimo e profundamente sarcástico da "revolução sexual" — Palma de Ouro em Cannes.


* ALEXANDER MACKENDRICK (1912-1993) —
Outro americano com um lugar fundamental na história do cinema inglês, surge através de um belíssimo filme de aventuras, com piratas do século XIX: "A High Wind in Jamaica/Tempestada na Jamaica" (1965). Também representado através de "Sweet Smell of Success/Mentira Maldita" (1957), na verdade uma produção visceralmente "hollywoodiana"… mas um prodigioso e contundente da coexistência perversa de relações públicas e jornalismo.
* LINDSAY ANDERSON (1923-1994) — O seu "If…/Se…" (1968), outra Palma de Ouro de Cannes, é um dos títulos míticos desta época, expondo a vida de um colégio interno como metáfora implacável da sociedade britânica — com Malcolm McDowell, três anos antes da aventura "kubrickiana" de "Laranja Mecânica". Menos lembrado, mas tão ou mais significativo, é "This Sporting Life/Jogador Profissional" (1963), verdadeiro melodrama "virado do avesso", com Richard Harris a interpretar um jogador de rugby em processo de reavaliação de todas as suas relações.
* KAREL REISZ (1926-2002) — Representado por um único título, dos absolutamente essenciais desta conjuntura: "Saturday Night and Sunday Morning/Sábado à Noite, Domingo de Manhã" (1960) relança as especificidades narrativas do "free cinema" para fazer o retrato de uma juventude marginal, ou marginalizada, no interior de um cruel mercado de trabalho — admirável interpretação de Albert Finney. 

  • cinemaxeditor
  • 15 Ago 2020 0:58

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