8 Jul 2021 11:49
Nascida em 1966, para sempre marcada — e limitada — pelo sucesso precoce em regime de comédia "juvenil" ("La Boum/A Primeira Festa", 1980), eis Sophie Marceau numa admirável composição em "Tout S’est Bien Passé". Foi François Ozon que lhe ofereceu tal hipótese, trabalhando uma intensidade dramática e subtileza emocional que ela não expunha há muito tempo, talvez desde o admirável "Polícia" (1985), de Maurice Pialat.
Fica, para já, como um acontecimento marcante de Cannes 2021: verdadeiro tour de force de contraditórios afectos, eis a saga de um velho senhor, composto pelo sempre justo e contido André Dussolier, que quer pôr termo à vida, deslocando-se à Suíça para o rigoroso protocolo de uma "morte assistida"… O seu projecto de morte, se assim se pode dizer, desafia as duas filhas (Marceau e a também excelente Géraldine Pailhas), num turbilhão de peripécias e memórias nem sempre muito pacíficas…
Filme sobre o direito de cada um a escolher como morrer? Ensaio sobre o tema, de uma só vez cultural e político, da eutanásia? Nada disso. Escusado será dizer que tudo isso perpassa no elaborado argumento, também de Ozon, a partir do romance de Emmanuèle Bernheim (1955-2017), evocando a sua própria experiência com o pai. Em qualquer caso, não se trata aqui de formatar, mas de abrir a história (contar histórias é isso mesmo…) a todas as atribulações do factor humano.
Daí o valor inclassificável deste belíssimo filme de Ozon que, serenamente, oscila entre o mais depurado sentimento trágico e uma pontuação irónica, por vezes de irresistível humor, que desafia as próprias fronteiras da tradicional comédia familiar. Surpresa? Sim, pelas singularidades do filme, embora confirmando a agilidade criativa de um realizador que já nos doara coisas tão diversas como a musicalidade de "8 Mulheres" (2002) ou o drama histórico de "Frantz" (2016).