10 Jul 2021 2:11
A julgar por alguns títulos da imprensa francesa, motivados pela passagem do filme "Benedetta" em Cannes, existe uma espécie de fórmula artística (?) que se pode resumir mais ou menos assim: uma crónica sobre as freiras de um mosteiro do século XVI é uma promessa de escândalo, mas uma crónica sobre duas freiras lésbicas nm mosteiro do século XVI só pode ser a apoteótica consgração (?) dessa promessa… Ou o escândalo à la carte.
Assim é "Benedetta", de Paul Verhoeven, um objecto que parece não corresponder a nenhuma vontade, desejo ou pensamento que não seja a ilustração (?) desse protocolo mediático. Em boa verdade, estamos perante uma banal derivação da ideologia figurativa e moral que alimenta muitas páginas da chamada imprensa "cor de rosa": desde que uma fotografia exponha alguns centímetros de pele de um corpo de mulher, então temos uma "explosão de sensualidade"…
O menos que se pode dizer é que Verhoeven satisfaz com empenho e, talvez, algum gosto pessoal (embora o pesado maniqueísmo do filme não o demonstre) todos esses requisitos. A história da instalação de Benedetta (Virginie Efira) no mosteiro e, depois, o seu envolvimento (sexual, claro) com Bartolomea (Daphne Patakia), tudo se apresenta filmado com a grosseria estética (?) de algumas produções italo-franco-alemãs dos anos 60/70 que descobriram e exploraram o filão das "freiras vs. escândalo".
Surpreende, aliás, que um filme que se quer tão perturbante ou, pelo menos, ousado seja, em termos de execução técnica, tão desastrado. As cenas de "acção", em especial, incluindo uma patética reinvenção (?) do martírio de Joana d’Arc, são montadas com a aceleração gratuita de um medíocre amador e os efeitos especiais dos momentos de "revelação" parecem saídos de uma má produção de série Z…
… e pensar que "Viridiana", de Luis Buñuel, ganhou o Festival de Cannes de 1961. Dito de outro modo: o problema não está nas freiras, no sexo ou no escândalo, tão só no entendimento criativo do cinema. "Benedetta" faz muito barulho para nada, mal conseguindo disfarçar o conformismo artístico que o comanda.