10 Jul 2021 20:29
Se não houver outra maneira de definir o que já aconteceu nos primeiros dias do Festival de Cannes, talvez possamos dizer que está a ser um evento marcado por grandes interpretações.
Aí está mais um exemplo elucidativo, produção francesa na corrida à Palma de Ouro: "La Fracture", de Catherine Corsini, vive, antes do mais, das brilhantes composições de Marina Foïs, Valeria Bruni Tedeschi e Pio Marmai.
Elas interpretam um casal que parece estar à beira da ruptura — o filme arranca, aliás, com uma cena de discussão em que o pressentimento da catástrofe afectiva se cruza com um humor à beira do absurdo; ele é um motorista de camião que participa numa manifestação dos "coletes amarelos". Na discussão das duas mulheres, um incidente faz com que uma delas (Tedeschi) fracture um braço; o homem é ferido pela carga policial que tenta conter os manifestantes — os três vão encontrar-se nos serviços de urgência de um hospital marcado por dramáticos problemas de pessoal…
Estávamos, talvez, habituados a definir Corsini a partir das derivações melodramáticas do seu trabalho — penso, em particular, em "Partir" (2009), com Kristin Scott Thomas e Sergi López. O certo é que a encontramos, aqui, a gerir um invulgar exercício de observação social & psicológica, isto é, uma genuína narrativa realista.
Sem nunca ceder a qualquer generalização fácil, muito menos a uma "moralização" das clivagens sociais e políticas que a acção revela, "La Fracture" impõe-se como um exemplo modelar de um cinema atento às convulsões do seu tempo. Além do mais, tendo em conta que quase toda a acção decorre no citado hospital, vale a pena sublinhar a proeza que consiste em construir um filme de tantas e tão contagiantes emoções em meia dúzia de espaços fechados e, mais do que isso, exíguos.