12 Jul 2021 14:27
A noção de que as grandes "obsessões" fazem os grandes cineastas é um saldo equívoco dos tempos heróicos da crítica da Nova Vaga — como se cada filme fosse apenas a ilustração de um "eu" mais ou menos complexo e, em última instância, inacessível.
Pensemos na precisão "obsessiva" com que o japonês Hamaguchi Ryusuke, de quem conhecemos, por exemplo, "Asako I & II" (2018), constrói as suas narrativas como uma espécie de teia de alusões que resistem a qualquer racionalização segura… Será que isso o coloca ao nível de autores obsessivos como Douglas Sirk ou John Cassavetes (que Hamaguchi, precisamente, elege como seus mestres)?
Tenho sérias dúvidas. E creio que o seu filme na competição de Cannes, "Drive My Car", confirma os limites de elaboração, até agora, do seu universo. Como habitualmente, tudo acontece a partir de uma relação mais ou menos acidental em que se vão imiscuir elementos mutuamente reveladores ou, de alguma maneira, perturbantes — neste caso, entre um encenador de teatro (Hidetoshi Nishijimai) com a vida conjugal em crise e a jovem que lhe serve de motorista (Tôko Miura).
É uma teia de vida, assombrada pela morte, que Hamaguchi parece percorrer menos por causa das singularidades das suas personagens, mais pela possibilidade de criar uma antologia de factos e ilusões, certezas e abstrações, que o espectador é convocado a partilhar. Baseado num conto de Haruki Murakami, "Drive My Car" resulta, assim, um exercício de formalista de introspecção, mesmo se, em qualquer caso, nele pressentimos a energia utópica de uma narrativa singularmente romanesca.