22 Mai 2022 10:51
O culto da aparência, o materialismo desenfreado e o patriarcado: em "Triangle of Sadness" – apresentado ontem à noite na secção competitiva do Festival de Cannes – o realizador sueco Ruben Östlund, volta à corrida para a Palma de Ouro depois de "The Square" em 2017 e estilhaça os códigos da sociedade moderna numa sátira agradável.
Yaya, top model e influenciadora, obcecada pela imagem e pela sua carreira, recebe o convite para um cruzeiro de luxo com o seu namorado, Carl, também modelo. A bordo do iate, uma galeria de personagens, oligarcas russos alcoólicos, um encantador casal britânico reformado que fez fortuna vendendo minas terrestres e outros passageiros detestáveis assediam a tripulação com os seus caprichos.
Uma grande tempestade vai abalar o barco e perturbar este equilíbrio.
Numa espécie de "Titanic" ao contrário, em que desta vez os mais fracos não são necessariamente os perdedores, Ruben Östlund examina o sistema de classes: ricos contra pobres, mas também homens contra mulheres, e brancos contra negros.
Uma preocupação no coração do seu trabalho, admite à AFP. "Penso que os humanos são muito sensíveis às hierarquias, estamos condicionados ao grande ‘jogo social’ desde o nascimento", diz ele, "todos os dias a questão é ‘qual é a minha posição na hierarquia social?
Criado por uma mãe comunista durante os anos 70 e 80, quando "existia realmente um bloco contra outro", o sueco chama-se a si próprio um "socialista": "Acredito num estado forte e numa economia mista".
A vergonha social
A personagem de Carl, com quem Östlund se "identifica muito", procura constantemente "igualdade" nas suas relações, inclusive com a namorada, mais famosa e bem paga do que ele.
Através dele, como com outros protagonistas do filme, Östlund dedica-se, como em "Snow Therapy" ou "A Praça", a dissecar a pequena cobardia, sempre mais adequada à conveniência do que à verdade.
"Na cena em que todos vomitam (durante um jantar a bordo do barco), é isso que se passa: todos tentam manter a compostura, segurar o garfo, apesar do enjoo", explica Ruben Ostlund.
Harris Dickinson, que interpreta Carl, acrescenta: "É muito provocador, claro que é político, mas para além disso o argumento do Ruben estende os limites do nosso comportamento, da nossa moral, o nosso sentido de decoro até ao extremo…".
Mesmo a personagem de Yaya, resignada a tornar-se uma "esposa troféu", "pode parecer superficial, mas de facto penso que ela tem medo do seu futuro, numa indústria onde a carreira é muito curta", assegura a modelo Charlbi Dean, que a interpreta.
Ruben Östlund não toma a saída fácil: os fracos são tão maus e medíocres como os poderosos e, por sua vez, abusam do seu poder quando o obtêm.
Com o clímax do jantar no meio de uma tempestade, uma cena orgíaca em que o écran se desloca ao ritmo do barco, o tom do filme muda da sátira cáustica para a comédia franca e direta.
Apesar das suas duas horas e meia, o "Triângulo da Tristeza" – dividio em três partes correspondentes a cada sequência principal da história – move-se a toda a velocidade.