2 Jun 2022 10:50
Tiago R. Santos, que se estreia como realizador em "Revolta", defende um maior equilíbrio na exibição cinematográfica, entre a sala de cinema e a sala de estar, para que não se perca a "experiência comunitária" de ver um filme.
Tiago R. Santos, que trabalha há 15 anos na escrita de argumentos para cinema e televisão, assina a primeira longa-metragem enquanto realizador, com um filme produzido por Tino Navarro e protagonizado por quatro atores dentro de um apartamento.
"Isso em termos dramatúrgicos sempre me interessou muito. Eu gosto muito dessas histórias de apartamentos, com pessoas numa casa e que não conseguem sair. A única coisa que podem fazer é tentar fugir daquilo que são ou revelarem aquilo que são. A ausência de pontos de fuga aumenta o conflito dramático e permite explorar uma série de coisas que me interessa, como os diálogos", afirmou em entrevista à agência Lusa.
A referência mais imediata de "Revolta" será "O deus da carnificina" (2011), de Roman Polanski – influência assumida por Tiago R. Santos -, assim como outros filmes como "Vénus de vison" (2013), do mesmo realizador, ou "Tape" (2001), de Richard Linklater.
"O facto de ter esta compulsão de criar histórias em apartamentos permitiu exercitar o músculo criativo. Como fazer uma história de uma hora e meia num único ‘décor’, com poucos atores e que seja cativante e interessante", afirmou.
"Revolta" chega às salas de cinema dois anos depois de ter sido rodado, em plena pandemia da covid-19, e a existência de um vírus está presente na narrativa, com Tiago R. Santos a ficcionar uma revolução a eclodir nas ruas, fora do apartamento, a contestar a imposição de uma lei marcial, enquanto as quatro personagens se confrontam verbalmente entre quatro paredes.
"É uma forma de comentar. É quase um meta-comentário, o que se passa nas ruas, a revolta popular que não vemos, mas vamos ouvindo e vamos tendo sinais dela. E vemos o que se passa lá dentro, uma revolta pessoal, uma revolta das pessoas contra elas próprias e contra os outros", descreveu.
Tiago R. Santos não teme que o filme, protagonizado por Margarida Vila-Nova, Cristóvão Campos, Ricardo Pereira e Teresa Tavares, fique aprisionado num tempo, por ter várias referências diretas a uma pandemia: As personagens descalçam-se ao entrar em casa, desinfetam as mãos, medem a temperatura.
"É muito próximo do nosso universo e daquilo que passámos, mas está também distante. Há uma espécie de dissonância comportamental sobre as ações que se passam lá fora, que levam o filme para uma espécie de distopia muito próxima", defendeu.
Tiago R. Santos, autor do argumento dos filmes "Call Girl" (2007) e "Os gatos não têm vertigens" (2014) e de séries como "Os filhos do rock" (2014) e "País irmão" (2017), entra no capítulo da realização numa altura em que acredita que o trabalho de argumentista é mais valorizado em Portugal.
"Acho que estamos a fazer mais séries. No cinema está tudo igual", disse, elogiando a aposta da RTP na produção de mais conteúdos audiovisuais e na vontade de internacionalização das produtoras.
"Há mais oportunidades de trabalho e há este sonho, que está mais ligado às séries do que à televisão, que é: Se fizermos uma boa série ainda vamos parar à Netflix, ou à Amazon, ou à HBO. Portanto está tudo a mexer-me mais nesta área do que no cinema. É um reflexo do que se está a passar no mundo, o cinema está a ter números péssimos e terríveis", lamentou.
O argumentista diz-se preocupado com o futuro do cinema em sala e gostaria que voltasse "a ser uma experiência comunitária para lá dos filmes da Marvel".
"Esta ideia de que o ‘streaming’ oferece todas as possibilidades não é bem assim. É preciso encontrar um equilíbrio que ainda não existe. Eu não me importaria que o ‘Revolta’ estivesse em simultâneo disponível na sala de cinema e em casa, em vídeo ‘on demand’. Hoje em dia as pessoas querem ter a escolha de ver as coisas, onde querem e quando querem. É dar-lhes opções", opinou.
Atualmente, Tiago R. Santos está envolvido numa produção da Fado Filmes, de Luís Galvão Teles, para 2023, intitulada "Histórias da montanha", na qual assina o argumento, uma série baseada em contos de Miguel Torga.