5 Jan 2023 12:02
Filme da competição oficial do Festival de Cannes 2022, rodado na Coreia do Sul, "Broker – Intermediários" valeu a Song Kang-ho o prémio de melhor ator do certame graças à personagem do dono de uma lavandaria que tenta encontrar uma boa família para um bebé abandonado.
O cineasta de 60 anos, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2018 por "Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões", acredita que as atitudes complacentes e as duras condições de trabalho na indústria audiovisual impedem as produções japonesas de alcançar o mesmo sucesso no estrangeiro que as obras sul-coreanas.
"O nosso ambiente criativo tem de mudar", disse Kore-eda numa entrevista à AFP, apontando o dedo aos baixos salários, longas horas de trabalho e as incertezas sobre o futuro enfrentado por aqueles que agora começam a trabalhar.
"Ao longo da minha carreira, pude concentrar-me no aperfeiçoamento da minha arte. Mas olhando em volta, vejo que os jovens já não escolhem trabalhar no cinema, ou na televisão".
Kore-eda escolheu colaborar com três jovens cineastas em "A Makanai: Na Cozinha da Casa Maiko", minissérie adaptada de uma manga que será lançada em este mês na plataforma de streaming Netflix.
"Fui eu que lhes roubei ideias", brincou o realizador, elogiando as qualidades dos seus jovens colegas e o seu "conhecimento do material, muito melhor" do que o seu próprio.
A animação japonesa é apreciada em todo o mundo, mas os filmes e séries produzidos no arquipélago lutam para sobreviver no estrangeiro, em comparação com êxitos sul-coreanos como a série "Squid Game", ou "Parasita", de Bong Joon-ho, a primeira longa-metragem em língua estrangeira a ganhar o Óscar de melhor filme em 2020.
O governo sul-coreano não poupou despesas no apoio à sua indústria audiovisual, permitindo a criação de muitos êxitos globais nos últimos 20 anos, mas "durante esse tempo, o Japão estava a olhar para dentro" porque achava o mercado local era suficiente, observa Kore-eda.
"É por isso que existe um tal fosso" entre os dois países, diz o cineasta, que recentemente optou por exercer fora do arquipélago. Antes de "Broker", rodou "A Verdade" em França com Catherine Deneuve e Juliette Binoche. Estas experiências permitiram-lhe compreender melhor as deficiências do cinema japonês, explica.
Kore-eda e outros realizadores japoneses apelaram este ano à criação de um equivalente local do Centro Nacional do Cinema (CNC) francês de forma a melhorar o financiamento da criação audiovisual e as condições de trabalho.
De acordo com um inquérito governamental japonês de 2019, dois terços dos trabalhadores do cinema no Japão estavam descontentes com o seu salário, com as longas horas de trabalho, e preocupados com o futuro da indústria.
"Os cineastas da minha geração, e eu próprio, estamos resignados ao facto de já não podermos viver apenas dos nossos filmes", disse Hiroshi Okuyama, 26 anos, um dos realizadores envolvidos na nova série Netflix.
Hirokazu Kore-eda e outros cineastas também falaram publicamente no início de 2022 após várias actrizes terem acusado um realizador japonês de agressão sexual.
Os seus apelos para combater o assédio, num país pouco conquistado pelo movimento #MeToo2, que começou em Hollywood em 2017, levaram o sindicato dos realizadores japoneses a tomar uma posição contra o assédio, "um grande passo em frente", saúda Kore-eda.
Contudo, pede que se faça mais, incluindo a protecção das vítimas, e lamenta que o assédio sexual no Japão ainda seja "considerado um problema de pessoas, quando deveria ser tratado como um problema estrutural".