22 Mai 2023 22:28
Com dois filmes em competição, uma mão cheia de outros títulos espalhados pelas selecções paralelas e dois jurados oriundos do continente, África nunca esteve tão presente em Cannes.
Será possível uma segunda Palma de Ouro para este continente, habitualmente sub-representado em Cannes e noutros festivais de cinema? “A competição é muito, muito dura”, disse à AFP a mais jovem participante da competição, Ramata-Toulaye Sy, sem tecer outros comentários.
Nascida em França – onde cresceu -, filha de pais senegaleses, apresentou em Cannes uma primeira longa-metragem lírica sobre a emancipação de uma mulher da etnia fula.
O outro realizador do continente na corrida à Palma de Ouro é o tunisino Kaouther Ben Hania, que se tornou conhecido do público com o seu thriller sobre uma vítima de violação, “La belle et la meute”, apresentado em Cannes em 2017.
Ambos podem suceder ao argelino Mohammed Lakhdar-Hamina, que ganhou a Palma de Ouro em 1975 com “Crónica dos Anos de Brasa”. Até à data, foi o único cineasta africano a receber a distinção suprema na Croisette.
Uma nova geração
“Estamos perante a chegada de uma nova geração, mais bem formada e com algo a dizer”, declarou Kaouther Ben Hania à AFP.
“Há uma verdadeira emulação artística”, acrescenta o marroquino Kamal Lazraq. A sua primeira longa-metragem, “Les meutes”, que acompanha a noite louca em que um pai e um filho tentam livrar-se do corpo de um homem, foi apresentada na Selecção Oficial na categoria “Un certain regard”.
No ano passado, a sua compatriota Maryam Touzani, membro do júri deste ano, apresentou a sumptuosa longa-metragem “O Azul do Cafetã”, sobre o tabu da homossexualidade no mundo muçulmano. Um filme que foi apresentado na mesma secção.
Na Quinzena dos Realizadores, outra secção paralela do Festival, o filme “Déserts” de Faouzi Bensaïdi, uma espécie de western contemplativo rodado no Rif, não deixou ninguém indiferente.
“Há anos que Marrocos está a fazer um verdadeiro trabalho de apoio à produção cinematográfica”, afirma Kamal Lazraq.
Ramata-Toulaye Sy, que elogiou o apoio do governo senegalês ao seu filme, é da mesma opinião.
Para outros, o apoio financeiro e logístico nem sempre chega, como afirmou Kaouther Ben Hania publicamente em 2021.
Podemos falar de um avanço para o cinema africano? Não, diz o cineasta maliano Souleymane Cissé. “Os filmes africanos sempre existiram, mas nunca foram promovidos”, afirma.
“A produção africana é rica e variada, é altura de nos interessarmos por ela”, continua, denunciando o “desprezo” dos ocidentais. “Cabe aos distribuidores ir à procura de filmes africanos”, concorda Ramata-Toulaye Sy, professora de cinema em Dakar. “Sempre estiveram diante de nós”, diz.
Todos os cineastas contactados pela AFP afirmam partilhar a mesma ambição: fazer filmes com raízes em África, mas com “apelo universal”.
Mas o caminho é muitas vezes cheio de obstáculos: “Na nossa região, a cultura é perturbadora”, diz o sudanês Mohamed Kordofani, para quem a rodagem da sua primeira longa-metragem “Goodbye Julia” (apresentada na Selecção Oficial) foi “muito complicada”.
“Filmar num país instável, onde há manifestações e motins, não é fácil. Somos rapidamente apanhados pela realidade dos nossos países.