30 Ago 2023
A greve de Hollywood roubou algumas estrelas ao 80.º Festival de Veneza, mas não todas. Esta quarta-feira à noite, a passadeira vermelha vai preencher-se com os intervenientes num filme italiano, substituição de última hora da produção americana “Challengers”, desviada para 2024 por uma Warner Bros. receosa pela ausência da atriz Zendaya, impedida de viajar devido às regras do sindicato dos atores que permanecem em greve.
“Comandante”, de Edoardo De Angelis, com Pierfrancesco Favino e Massimiliano Rossi, um dos seis italianos em competição, recupera um episódio pouco conhecido do início da Segunda Guerra Mundial, a história do Comandante Salvatore Todaro, que salvou a vida dos sobreviventes de um navio inimigo afundado, arriscando a segurança do seu submarino e dos seus homens.
Na apresentação, o diretor da mostra, Alberto Barbera, destacou a forte chamada de atenção contida no filme para a necessidade de colocar a ética e a solidariedade humana acima da lógica brutal dos protocolos militares.
Este ano, o presidente do júri é Damien Chazelle, que já viu duas das suas longas-metragens, “La La Land” (2016) e “O Primeiro Homem” (2018), abrirem a Mostra com grande alarido.
“Toda a obra de arte tem um valor em si e não é apenas um conteúdo – uma palavra muito em voga em Hollywood neste momento – para alimentar um tubo”, disse o cineasta, que vestia uma t-shirt de apoio à greve, na conferência de imprensa de abertura, na quarta-feira. “A arte vem antes do conteúdo”, insistiu.
Veneza é o primeiro grande festival a sofrer o impacto da greve dos argumentistas americanos e actores, que exigem melhores salários e um enquadramento para a inteligência artificial que salvaguarde os seus direitos.
Barbera, que nos últimos anos tem feito muito para tornar Veneza um dos festivais preferidos das estrelas americanas, relativizou a situação.
“O impacto da greve será muito limitado, porque perdemos apenas um filme, assegurou numa entrevista à AFP. “Vamos perder algumas estrelas muito aguardadas, mas no final não é assim tão grave”, reafirmou numa conferência de imprensa.
“Ferrari” de Michael Mann será um dos acontecimentos da competição. Filme biográfico sobre o fundador da marca de automóveis, por ser uma produção independente dos grandes estúdios, foi objeto de autorização que permite a presença do protagonista, Adam Driver.
Caleb Landry Jones, Mads Mikkelsen e Jessica Chastain são outros nomes conhecidos que vão estar no Lido a promover o seu trabalho.
“Priscilla,”, de Sofia Coppola, “La Bête”, de Bertrand Bonello, “Maestro”, realizado e protagonizado por Bradley Cooper, “Origin”, de Ava DuVernay, e “The Killer”, de David Fincher, num regresso a Veneza depois de “Clube de Combate” (1999) fazem parte dos títulos que terão mais atenção por parte da imprensa.
“Poor Things”, de Yorgos Lanthimos, com Emma Stone e Mark Ruffalo, “El Conde”, de Pablo Larraín, com o ditador chileno Augusto Pinochet retratado como um vampiro também estarão em Veneza.
O festival termina a 9 de setembro, com “La Sociedade de la Nieve”, do realizador espanhol J. A. Bayona, como filme de encerramento.
A edição deste ano também se destaca pelo regresso de cineastas implicados em casos de agressão sexual.
Entre eles está Roman Polanski, de 90 anos, que vive na Europa ao abrigo da justiça americana, da qual foge há mais de 40 anos, na sequência de uma condenação por relações sexuais ilegais com uma menor. Persona non grata em Hollywood, o realizador viu a sua situação em França inverter-se desde a polémica em torno do seu prémio César de Melhor Realizador em 2020, quando foi alvo de novas acusações.
É agora visto por grande parte do setor como símbolo de uma certa impunidade. A Mostra volta a colocá-lo no centro das atenções com “O Palácio”, apresentado fora de competição e que conta com interpretações de Oliver Masucci, Fanny Ardant, John Cleese e do português Joaquim de Almeida. No entanto, Polanski não tem planos de vir a Veneza.
Woody Allen, por seu lado, viu quase toda a indústria virar-lhe as costas após as acusações de abuso sexual da sua filha adotiva, que ele nega e cuja investigação não foi concluída. Fora de competição, apresentará o seu 50.º filme, “Golpe de Sorte”, rodado em Paris com actores franceses.
“É preciso fazer uma distinção entre o homem e o artista. A história da arte está cheia de artistas que foram criminosos. No entanto, continuamos a admirar o seu trabalho”, disse Alberto Barbera, entrevistado pela AFP.
A seleção de 23 filmes inclui cinco mulheres e 19 homens na corrida ao Leão de Ouro, atribuído a 9 de setembro e tem sido ganho por realizadoras nos últimos três anos.
“Os filmes de mulheres são escassos (…) temos obviamente de lutar para que as coisas mudem”, admitiu Alberto Barbera.
Sem a presença de filmes portugueses na seleção oficial de curtas e longas-metragens, Veneza contará com um projeto luso-brasileiro no programa de cinema imersivo e de realidade virtual, intitulado “Queer Utopia”, do artista brasileiro Lui Avallos com coprodução portuguesa.
Lui Avallos, com formação em imagem e som no Brasil, desenvolveu uma investigação em realidade virtual na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, que esteve depois em desenvolvimento em Veneza entre 2021 e 2022 e é agora apresentada no festival.