05 Out 2023
A presença de Woody Allen no Festival de Veneza passou ao lado da contestação de que tem sido alvo pelas acusações de assédio sexual. O realizador trouxe uma nova comédia que confirma um bom momento da carreira e falou da sorte que lhe atravessou o cinema e a vida.
Woody Allen continua a viajar pela Europa através dos filmes. Depois de filmar em Londres, Paris, Barcelona ou Roma voltou à capital francesa para rodar a história de “Golpe de Sorte”, em torno de um triângulo amoroso, interpretado por um elenco totalmente francês. Para o realizador, esta foi a maneira de se sentir mais perto dos grandes nomes do cinema europeu, que conhece desde sempre e de celebrar o quinquagésimo filme da carreira.
“Ia fazer um filme com dois americanos a viver em Paris, mas depois pensei que, este é o meu filme 50 e eu gosto tanto de Paris, achei que devia fazê-lo em francês (….) Gostei muito e senti que era um verdadeiro realizador europeu. Vi aqueles filmes todos do Trufaut, Godard, Resnais ou Renoir, e queria juntar-me a esse grupo e fazer um filme em francês.”
Longe dos EUA, onde os ânimos ainda não serenaram em torno das alegações de assédio sexual por parte de uma filha adoptiva, Woody Allen escreve uma história que faz lembrar “Match Point”, estreado em 2005, filmado em Londres com Scarlet Johansson. São filmes diferentes, mas têm semelhanças. Em ambos, há um romance que se transforma em thriller e acasos que ditam o rumo da vida das personagens. ambos giram em redor “dos caprichos da sorte e do acaso, que têm um impacto muito mais dominante nas nossas vidas, do que aquilo que admitimos”, explicou o realizador.
Lou de Laâge e Melvil Poupaud são um casal parisiense de classe alta, aparentemente inabalável, até ao aparecimento de um antigo colega de escola da mulher, que traz de volta memórias dos amores de adolescência. O caso fora do casamento levanta suspeitas ao marido que manda investigar o par.
Woody Allen mantém as marcas do seu cinema e joga com as pequenas neuroses das personagens, no grande jogo da vida. Atravessado pelas crises conjugais, continua a propor um olhar inteligente sobre as relações humanas, mantendo-se fiel ao drama, à comédia e a uma linguagem muito própria, mesmo que esteja a filmar fora de casa, em cidades na Europa, ou numa língua diferente. Tudo passa por ter uma boa história para um filme, e isso até pode acontecer novamente em Nova Iorque, brincou o realizador: “Tenho uma ideia para filmar em Nova Iorque, por isso, se houver alguém que saia da sombra e diga que financia o meu filme em Nova Iorque, que obedeça a todas as minhas restrições, (não podem ler o argumento, não podem saber quem são os actores), que me dê o dinheiro e desapareça… Se alguém muito tonto concordar com isso, faço um filme em Nova Iorque”.
De cidade em cidade, o cinema de Woody Allen continua vivo e interessante. O talento terá certamente dado uma contribuição, mas o realizador diz, a propósito do titulo do filme, que também teve um golpe de sorte na vida e na carreira: “Tenho tido muita sorte em toda a minha vida. Tive pais adoráveis, tenho bons amigos, uma mulher maravilhosa e um casamento maravilhoso. Dois filhos. Em alguns meses, terei 88 anos. Nunca estive no hospital, nunca me aconteceu nada terrível. Tenho tido muita sorte em toda a minha vida. Tenho tido muita sorte com a minha carreira. Tive muitas vezes elogios não merecidos e uma enorme atenção e respeito. Tenho sido afortunado. Espero que se mantenha.”
“Golpe de Sorte” estreia nos cinemas portugueses a 5 de outubro 2023.