18 Ago 2024
O ator francês Alain Delon morreu aos 88 anos. Os seus três filhos anunciaram a morte numa declaração conjunta à AFP, na manhã de domingo.
“Alain Fabien, Anouchka e Anthony, juntamente com (o seu cão) Loubo, estão profundamente tristes por anunciar a morte do seu pai. Faleceu pacificamente na sua casa em Douchy, rodeado pelos três filhos e pela família”, afirmam no comunicado.
“O ator de ‘À Luz do Sol’ e ‘O Ofício de Matar’ foi juntar-se a Maria (a Virgem) entre as estrelas que lhe eram tão queridas. A família pede-vos encarecidamente que respeitem a sua privacidade neste momento de luto extremamente doloroso”, prosseguem os três filhos.
O ator morreu “bem cedo, a meio da noite”, acrescentaram.
Raramente visto no cinema desde o final dos anos 90, Alain Delon foi notícia no verão de 2023, quando os filhos apresentaram queixa contra a cuidadora, Hiromi Rollin, algumas vezes descrita como a sua companheira, por suspeita de abuso de fraqueza.
Os filhos travaram então uma guerra fratricida através dos meios de comunicação social e dos tribunais, discutindo o estado de saúde da estrela, que sofria de linfoma e teve um AVC em 2019.
Em maio de 2019, voltou a saborear as luzes da passadeira vermelha de Cannes para receber a Palma de Ouro honorária, entre lágrimas e um discurso com tons testamentários: “É um pouco uma homenagem póstuma, mas em vida”, reagiu o ator.
Com uns impressionantes olhos azuis, Delon era por vezes referido como o “Frank Sinatra francês” devido à sua bela aparência, uma comparação que Delon não gostava. Ao contrário de Sinatra, que sempre negou ligações com a Máfia, Delon reconheceu abertamente os seus amigos obscuros no submundo.
Numa entrevista de 1970 ao New York Times, Delon foi questionado sobre esses conhecidos, um dos quais estava entre os últimos “Padrinhos” do submundo no porto mediterrânico de Marselha.
“A maior parte dos gangsters que conheço… eram meus amigos antes de me tornar ator”, disse. “Não me preocupo com o que um amigo faz. Cada um é responsável pelos seus atos. Não importa o que ele faz.”
Delon alcançou a fama ao participar em dois filmes do realizador italiano Luchino Visconti, “Rocco e os Seus Irmãos”, em 1960, e “O Leopardo”, em 1963.
Em 1963, contracenou com o consagrado Jean Gabin em “Assalto ao Casino”, de Henri Verneuil, e foi um grande êxito em “O Ofício de Matar”, de Jean-Pierre Melville, em 1967. O papel de um assassino contratado de carácter filosófico envolvia um mínimo de diálogo e frequentes cenas a solo onde Delon brilhou.
Delon tornou-se uma estrela em França, mas acabou por nunca se impor em Hollywood, apesar de ter contracenado com gigantes do cinema americano, incluindo Burt Lancaster, quando o francês interpretou o aprendiz de assassino Scorpio no filme homónimo de 1973.
Com o ator francês Jean-Paul Belmondo, protagonizou o filme “Borsalino”, de 1970, onde interpretaram gangsters que se enfrentam numa luta inesquecível e estilizada por uma mulher.
Entre os seus momentos mais marcantes, destaca-se o thriller erótico “A Piscina”, de 1969, ao lado da sua amante Romy Schneider, numa saga de ciúmes e sedução na Riviera Francesa.
Nascido nos arredores de Paris a 8 de novembro de 1935, Delon começou a vida com o pé atrás: foi colocado num orfanato aos quatro anos, depois de os pais se terem divorciado.
Fugiu de casa pelo menos uma vez e foi expulso várias vezes de colégios internos antes de se alistar nos fuzileiros navais aos 17 anos e servir na Indochina, então dominada pelos franceses. Também aí se meteu em sarilhos por causa de um jipe roubado.
De regresso a França, em meados dos anos 50, trabalhou como porteiro no mercado grossista de alimentos de Paris, Les Halles, e passou algum tempo no bairro de Pigalle, antes de migrar para os cafés da zona boémia de St. Germain des Pres. Aí conheceu o ator Jean-Claude Brialy, que o levou ao Festival de Cinema de Cannes, onde atraiu a atenção de um caçador de talentos americano que lhe arranjou um teste para o ecrã.
Estreou-se no cinema em 1957, em “Quand la femme s’en mele”.
Delon era um homem de negócios, para além de ator, tirando partido da sua aparência para vender cosméticos de marca e dedicando-se aos cavalos de corrida com velhos amigos do submundo. Investiu num estábulo de cavalos de corrida com Jacky “Le Mat” Imbert, figura notória da próspera cena criminal de Marselha.
As amizades desleixadas de Delon vieram ao de cima quando um antigo guarda-costas e confidente, um jovem jugoslavo chamado Stefan Markovic, foi encontrado morto num saco, com uma bala na cabeça, numa lixeira perto de Paris.
O ator foi interrogado e ilibado pela polícia, mas o “Caso Markovic” transformou-se num escândalo nacional.
O homem que a polícia acusou do assassínio de Markovic – foi mais tarde absolvido – foi François Marcantoni, proprietário de um café corso e amigo de Delon que prosperava na azáfama do bairro de Pigalle no rescaldo da Segunda Guerra Mundial.
Delon falava abertamente e suscitava controvérsia quando o fazia – nomeadamente quando dizia lamentar a abolição da pena de morte e falava depreciativamente do casamento homossexual, legalizado em França em 2013.
Defendeu publicamente a Frente Nacional, de extrema-direita, e telefonou ao seu fundador, Jean-Marie Le Pen, um velho amigo, para o felicitar quando o partido obteve bons resultados nas eleições autárquicas de 2014.
Entre as amantes de Delon contam-se Romy Schneider e a modelo e cantora alemã Nico, com quem teve um filho. Em 1964, casou com Nathalie Barthelemy e teve um segundo filho antes de terminar o casamento e iniciar uma relação de 15 anos com Mireille Darc. Teve mais dois filhos com a modelo holandesa Rosalievan Breemen.
Numa entrevista em janeiro de 2018, Delon disse ao Paris Match que estava farto da vida moderna e que tinha uma capela e um túmulo preparados nos terrenos da sua casa perto de Genebra, bem como para o seu cão pastor belga, chamado Loubo.
“Se morrer antes dele, peço ao veterinário que nos deixe partir juntos e que dê uma injeção ao cão para que possa morrer nos meus braços.”
Em abril de 2024, um juiz colocou Delon sob “curadoria reforçada”, o que significa que deixou de ter total liberdade para gerir os seus bens. Já se encontrava sob proteção legal devido a preocupações com a sua saúde e bem-estar.