29 Ago 2024
Angelina Jolie abrilhantou a passadeira vermelha do Festival de Cinema de Veneza, na noite de quinta-feira, para a apresentação em competição do filme “Maria”, em que interpreta a cantora Maria Callas, um papel para o qual teve aulas de canto, a fim de emprestar a sua voz à diva.
“Passei quase sete meses a praticar”, disse à imprensa, agradecendo ao realizador Pablo Larraín por a ter posto a cantar, “começando numa pequena sala e acabando no La Scala”, em Milão.
“Ele deu-me tempo para progredir, mas tinha medo de não estar à altura do desafio” da “voz do século”, disse.
No seu apogeu, Callas (1923-1977) foi uma estrela absoluta, tanto pela carreira excecional nos palcos mais prestigiados, do La Scala à Ópera de Paris, como pelo atormentado romance de nove anos com o magnata grego Onassis, seguido de perto pela imprensa sensacionalista.
“A referência para saber se fui suficientemente boa são os fãs de Maria Callas e os amantes da ópera, e o meu receio seria desiludi-los”, disse a estrela americana de 49 anos, que faz o grande regresso ao ecrã desde o filme da Marvel “Os Eternos” (2021) e a saga “Maléfica”.
Atrás da câmara deste filme biográfico sobre a “prima donna assoluta”, que completaria 100 anos em dezembro de 2023, está o realizador chileno Pablo Larrain, que ganhou o prémio de Melhor Argumento em Veneza no ano passado por “O Conde”, sobre o ditador Augusto Pinochet.
Mestre do género biográfico, o cineasta de 48 anos tem entre os seus créditos “Neruda” (sobre o escritor chileno Pablo Neruda), “Jackie” (sobre a primeira-dama americana Jackie Kennedy) e “Spencer” (sobre Lady Di), apresentado no Lido em 2021 com Kristen Stewart no papel principal.
Fã de ópera desde a infância e grande admirador de Maria Callas, o realizador diz-se “muito intrigado com o facto de quase não existirem filmes sobre óperas ou cantores de ópera”. Por isso, quis “fazer um filme sobre uma mulher que é provavelmente a maior voz da história e teve uma vida muito bonita, mas difícil”.
O realizador escolheu centrar-se no final da vida de Maria Callas, solitária no seu luxuoso apartamento em Paris, inconsolável desde que foi abandonada pelo amor da sua vida, o rico armador grego Aristóteles Onassis, que casou com Jackie Kennedy.
Recorrendo a flashbacks de momentos-chave da sua vida, tanto em palco como em privado, Larrain relata a busca desesperada de Callas para encontrar a sua voz de ouro desaparecida. A diva morreu de insuficiência cardíaca aos 53 anos.
Os diálogos são bem elaborados e cheios de humor: “A felicidade nunca produziu uma boa melodia”, diz Jolie/Callas que, noutra cena, afirma: “Não tenho fome, vim ao restaurante para ser adorada”.
Ao lado da estrela americana estão três atores italianos, Valeria Golino como a irmã de Callas, Pierfrancesco Favino e Alba Rohrwacher como o casal de empregados domésticos, Ferruccio e Bruna, que permaneceram a seu lado até ao trágico fim.
A diva absoluta
A 2 de agosto de 1947, quando cai o pano sobre o último ato de “La Gioconda” de Ponchielli, sob a direção de Tullio Serafin, na Arena de Verona, a ovação de pé saúda o nascimento de uma estrela.
Nascida Maria Kalogeropoulou, a jovem cantora tinha-se formado na Grécia e cantava há 8 anos quando, em 1947, conhece Giovanni Battista Meneghini, um industrial apaixonado pelo bel canto, 28 anos mais velho, que se tornou o seu empresário e com quem casou em 1949.
Tornou-se La Callas quando, em 1954, seguindo uma dieta draconiana, perde 30 kg para se transformar na diva absoluta, de porte altivo e elegância impecável, atuando nas maiores óperas sem poupar a voz. “Desde que obrigou a ópera a lembrar-se de que era também um acontecimento teatral, os desfiles de cantores e cantoras roliços que empurravam as suas árias para a frente do palco deixaram de ser aceitáveis”, escreveu a AFP na altura da sua morte.
Personagem de cinema mesmo em vida, Maria Callas não hesitou em provocar escândalos: a 2 de janeiro de 1958, abriu a temporada de ópera de Roma na presença do Presidente da República Italiana. No final do primeiro ato de “Norma”, afirmou ter perdido a voz e recusou continuar.
A direção da ópera denunciou este facto como um capricho de diva, por terem soado alguns assobios durante uma das suas árias.
Sete anos mais tarde, em 1965, a Callas despede-se da ópera. A 20 de fevereiro, triunfou em Paris com “Tosca”. O jornalista da AFP fala do fervor do público pela cantora “mais sensível do que nunca, mesmo que por vezes lhe falte amplitude”. “Logo que apareceu na igreja, no primeiro ato, com um vestido cor-de-rosa, coberta por um vasto lenço de tango, com os braços carregados de flores, os aplausos foram tais que abafaram a música e as primeiras falas ficaram inaudíveis”, escreveu.
A 29 de maio, teve um colapso no final do terceiro ato. A 5 de julho, “apesar dos conselhos do seu médico”, subiu ao palco uma última vez em Londres, perante Isabel II.
Em 1973, embarca numa última digressão internacional de recitais. Em Paris, “choveram ramos de flores no palco, acompanhando as ovações e o ‘Viva Maria’”, mas os críticos foram “menos entusiastas”. “Embora a técnica e a musicalidade da voz não tenham sido postas em causa, as notas agudas foram consideradas particularmente dolorosas”, refere a AFP.
Em 16 de setembro de 1977, Maria Callas morre de ataque cardíaco na sua casa em Paris, aos 53 anos.
“Acabo de a ver na sua cama. Era a imagem exata de La Traviata tal como a representou em 1956 no La Scala de Milão. Não tem uma única ruga no rosto. Parece que está a descansar”, disse Michel Glotz, o seu antigo diretor artístico.
Perante este monumento à ópera, Angelina Jolie admitiu que não era especialista: “Gostava mais de punk, apreciava todo o tipo de música, mas provavelmente ouvia mais os The Clash”, disse, a sorrir.
A estrela de Hollywood encontrou, no entanto, algumas semelhanças com ela: “O que temos em comum é o seu lado extremamente suave e o facto de não ter a oportunidade de expressar essa suavidade publicamente”. E acrescentou: “Temos esta vulnerabilidade em comum, mais do que qualquer outra coisa”.