27 Out 2024
O produtor Paulo Branco deu o primeiro passo e fez o convite ao realizador Sérgio Graciano para levar ao cinema a obra de Ruy Duarte de Carvalho. O escritor angolano José Eduardo Agualusa juntou-se ao projeto como argumentista, com a intenção de fazer um filme inspirado na trilogia literária “Os Filhos de Próspero”.
“Os Papéis de Inglês” é o resultado desta proposta ousada:
Numa certa medida, o Paulo Branco arrisca quando me convida. Por outro lado, também não arrisca tanto, porque eu já tinha vivido em Angola dois anos e meio, tenho um percurso profissional lá, conheço as paisagens, conheço toda a Angola, sei como se trabalha em Angola e sei que todos os dias são diferentes. Um dia é diferente do outro e sabemos que as rodagens são muito complicadas, tivemos aqui alguma destreza.
Pode ser difícil fazer um filme em Angola e, depois, porque para além de Angola, há a minha relação com o José Eduardo Agualusa, que é meu amigo. Acho que aqui temos aqui a tempestade perfeita.
O ator João Pedro Vaz é Ruy Duarte de Carvalho, a viver em Angola, seduzido pela paisagem do deserto e pela ideia de encontrar os papéis do inglês, um homem que marcou a vida do seu pai e que se cruzou com muitas outras histórias e personagens deste lugar ainda preso ao passado colonialista:
Temos de falar da relação entre Portugal e Angola e mostrar como o colonialismo afetou a forma como as histórias estão intrinsecamente conectadas. A obra oferece uma visão crítica sobre a tensão e as dinâmicas durante a ocupação colonial. É uma questão muito premente ainda nos dias de hoje. Porque, na verdade, nunca tinha ouvido o lado de lá. E vivi lá, ao lado de quem ficou.
Creio que o lado de quem ficou está bem esclarecido para as pessoas que não o conhecem neste filme através do Ruy de Carvalho, que não se sentia português, se sentia angolano, embora fosse um português de Santarém.
Sérgio Graciano propõe um filme que em muitos momentos se parece com uma história de aventuras, seguindo os passos de um homem que tenta encontrar o que considera ser um tesouro e é confrontado com as histórias do passado. O homem e as suas inquietações na paisagem do deserto são elementos essenciais no filme:
O filme tem aqui duas personagens principais. Uma é o Ruy Duarte, naturalmente, e outra é o deserto, à mistura com Angola. Foi um equilíbrio difícil, mas sabia que o Paulo queria a história sobre este amigo dele, que era o Ruy, um escritor, poeta, arqueólogo. E sabia o que é Angola, e sabia o que foi Angola, e sabia o que será Angola.
Foi uma adaptação difícil, mas óbvia na minha cabeça. Não sei se me estou a fazer entender, porque como conheço o espaço, conheci a obra do Ruy, parece tudo conjugado num só. É impossível falar do Rui e não falar do deserto, não falar de Angola. Esta história é toda esta misturada de muitas coisas.
O deserto que se oferece à contemplação, visto por um homem que procurava refletir sobre a paisagem e quem a habita. Ruy Duarte de Carvalho escreveu sobre personagens deste lugar e agora o filme dá voz às palavras e aos contos da trilogia “Os Filhos de Próspero”:
É um filme que precisa de criar alguma ligação. E eu não digo ligação só de cenas, digo uma ligação emocional, porque é muito a partir da poesia e de alguma prosa do Ruy. E isso fazia sentido nesta narrativa. Criar uma unidade através da palavra do Ruy, já que a vida dele foi sempre feita de palavras. Então, nada melhor do que aproveitar essa palavra do Ruy para espalhá-la durante o filme.
Narrador e personagem, João Pedro Vaz comanda o elenco, onde surgem nomes como Miguel Borges, Joana Ribeiro, David Caracol, ou Carlos Agualusa. No trabalho de construção da personagem, o ator imaginou uma troca de cartas com o poeta e romancista, até se tornar na imagem e na figura de Ruy Duarte Carvalho:
O João Pedro esteve o tempo todo em Angola, o tempo todo a rodagem do filme em Angola, mesmo quando não estava a rodar. Deixou de ser ele e passou a ser a outra pessoa.
Não sei se isto teria possível com outro ator. É preciso alguma disponibilidade e muito pouca vaidade para chegar a determinados pontos numa narrativa e conseguir entrar da pele desta personagem com a máxima humildade. Sem querer ser ele dentro daquela personagem. Sem querer apresentar e passar a ser. Acho que o João Pedro fez este filme como ninguém e não vejo ninguém que pudesse fazer isto melhor que ele.
A homenagem do cinema a Ruy Duarte de Carvalho personificada pelo ator João Pedro Vaz no filme “Os Papéis do Inglês”. Uma viagem pela paisagem africana onde o escritor encontrou inspiração para as suas obras e onde escolheu viver.