07 Mar 2025

“Brincar com o Fogo” acompanha a degradação da relação de um pai viúvo com dois filhos, uma situação provocada quando um deles se afasta dos princípios familiares e se envolve com a extrema-direita.

Vincent Landon tem o papel de Pierre, um trabalhador dos caminhos de ferro e um pai que não sabe lidar com o que está a acontecer com o filho mais velho.

No filme, o ator francês encontra duas histórias, uma política e outra familiar:

É uma história política sobre a radicalização de um jovem apanhado num grupo de extrema-direita, mas é também a história de uma família que se está a desmoronar com um pai que não sabe como comunicar com um filho que se está a afastar dele, após a morte da mãe, que os amava com todo o coração.

Nem toda a gente reage da mesma forma ao luto e ao sofrimento mais extremo que existe, o da perda dos pais. Este pai faz o que pode.

O outro filho, protege-se ao mergulhar na paixão, no trabalho, na ambição e no desejo de ir para Paris estudar na Sorbonne.

O mais velho tem um ano e meio, dois anos de diferença, por isso viveram a mesma vida, comeram as mesmas coisas e tiveram a mesma educação, ouviram as mesmas discussões, tiveram o mesmo pai, a mesma mãe, tudo igual. Mas ele não tem uma paixão, está sem objetivos.

Em “Brincar com o Fogo”, um dos filhos de Pierre, junta-se a um grupo da extrema direita, mas poderia ter sido atraído para outro grupo qualquer, justifica Vincent Landon. O desânimo e a falta de objetivos são alguns dos motivos que levam a escolhas erradas:

Se não têm paixão, se não têm força, se não têm ambição ou caráter, vagueiam em desespero. Os grupos mostram um pouco de interesse por estas pessoas, interessam-se por elas quando se é abandonado por todos, quando não se comunica com os pais, ou com o pai, neste caso do filme.

No início, muitas vezes, nem sequer partilham a ideologia, depois são, recrutados, influenciados.

Pode acontecer com outros grupos ou ideologias, pode acontecer com a religião, com o culto, com o vício, com drogas, ou álcool, é apenas a resposta ao desespero.

E quanto mais as pessoas estão desempregadas, quanto mais vivem no ócio, quanto mais os jovens são deixados à sua sorte, quanto menos comunicação têm, com um náufrago, mais se agarram a tudo o que podem. Ao primeiro pedaço de madeira que atravessa o mar para os impedir de se afundar.

Em muitos casos, a tendência para a radicalização é reflexo de uma falta de comunicação, mas Vincent Landon não culpabiliza os pais, o que acontece é fruto da decadência da sociedade:

Como é que se pode lutar contra as redes sociais, contra o TikTok, contra tudo isso? Há demasiadas influências, demasiadas ideias pré-concebidas.

Podemos dizer-lhes, ouve-me. Eu sei como é a vida, acredita. Mas a definição de juventude é que a experiência não serve para nada. Enquanto não te queimares, não sabes o que é ser queimado. Podemos dizer a alguém, não te apercebes? Estás a ser recrutado. Estás a ler coisas que não são verdadeiras. São notícias falsas. Podemos gritar, avisar, mas desde que a pessoa não seja vítima disto, não nos vai ouvir. É também o resultado de uma decadência global do ser humano, no mundo em que vive.

Já se está a esquecer das regras, da cortesia, a forma como os outros nos olham e o respeito. É algo mundial. Não é só falha dos pais, é de toda a gente.

Ator versátil, nos últimos anos, Vincent Landon tem trabalhado com o realizador Stéphane Brizé, em filmes sociais, que lhe deram um prémio César e uma distinção em Cannes. No Festival de Cinema de Veneza, recebeu o prémio de melhor interpretação masculina pelo papel em “Brincar com o Fogo”, realizado pelas irmãs Delphine e Muriel Coulin.

O ator espera que o filme ajude a refletir sobre o tema da falta de comunicação entre pais e filhos:

O meu estava sempre a dizer-me que ‘se não fizeres nada para ajudar ou mudar a vida de um ser humano, o teu tempo na Terra será inútil’. Isso é certo. Para mim, um filme, ou uma pintura, uma música, uma canção, ou uma obra de arte, é algo que nos deve sensibilizar.

É para isso que servem os realizadores, os argumentistas, os atores e as atrizes. Para nos ajudarem a mudar a nossa vida.

“Brincar com o Fogo” adapta para o cinema o livro “Quando a Noite Cai”, de Laurent Petitmangin. O romance questiona se o amor é incondicional, independentemente do que aconteça. Uma pergunta para a qual as realizadoras, as irmãs Coulin, foram à procura da resposta. O importante era fazer um filme sobre como a política pode interferir com a família, conta a cineasta Muriel Coulin:

Quando a situação política em França se tornava cada vez mais extrema, falávamos sobre isso em família, com os amigos, e dizíamos a nós próprias que precisávamos de fazer um filme sobre a intimidade familiar e política e como as duas interagem. Um dia recebemos um livro chamado “Quando a Noite Cai”, pensámos, bem, este livro tem tudo.

É sobre como a política entra na família, como ela perturba as relações, como muda a relação entre o pai e os seus dois filhos.

É a história de três homens, porque no livro a mãe desaparece logo no início.

Como fazemos filmes feministas ou filmes sobre mulheres, pensámos, será que queremos abordar a história destes três homens? Como era a história de uma família, dissemos a nós próprias, sim, por que não?

Somos mulheres, mas também estamos interessadas em descobrir como se comporta esta família de três homens e decidimos fazer o filme.

A realizadora, Muriel Coulin, recorda que a figura paternal de Vincent Landon se impôs na escolha do ator para o papel do pai. A cumplicidade entre Benjamin Voisin e Stefan Crepon ditou a escolha dos atores para o papel dos irmãos:

Tudo o que trazemos para o filme é também o que os atores nos trazem. No livro não havia tudo isso, não havia toda essa humanidade. Escrevemos mesmo para ele, acrescentámos algumas cenas para ele.

As duas personagens dos filhos são interpretadas por dois atores que se conhecem bem, tal como irmãos. Viveram juntos no mesmo apartamento durante cinco anos. Havia pequenos gestos, cumplicidades, piadas entre eles, que trouxeram para o filme.

Habitualmente, as mulheres são protagonistas nos filmes das irmãs Caolin. Em “Brincar com o Fogo”, apesar de serem masculinos os papéis principais, a cineasta Delphine Coulin explica que foi dado destaque a personagens femininas fortes que não existiam no livro:

Uma delas é a reitora da Universidade Sorbonne, que é interpretada pela verdadeira reitora.

É um filme sobre homens, é verdade, mas como abordamos os meios extremistas e estes círculos têm muito em comum com os círculos que defendem a masculinidade e a violência, há uma espécie de politização da masculinidade quando ela é tóxica nestas ideias. Penso que é um filme que defende a liberdade das mulheres.

No livro não havia personagens femininas, mas nós queríamos três, incluindo a reitora da Universidade de Sorbonne. No livro era um homem. Nós tornámo-la mulher, porque estas personagens personificavam o poder, o conhecimento e a esperança.

Por isso, é também um gesto político tornar estas personagens femininas, trazendo um pouco mais de nuances a um mundo que se está a tornar cada vez mais violento.

O poder, o saber e o esperança, finalmente. Então é um gesto político também tornar estas personagens femininas, trazendo um pouco mais de nuances a um mundo que se está a tornar cada vez mais violento.

As filmagens foram feitas na região da Lorena, referida no livro. Delphine Coulin diz que tomaram essa decisão porque os espaços justificam a narrativa:

Filmámos na Lorena. É uma região que tem uma história particular, porque foi alemã e francesa. Quando falamos sobre o desprezo pelos estrangeiros, pelos migrantes, por exemplo, é importante refletir, porque nesta região tanto se pode ser alemão ou francês e continuar a viver exatamente no mesmo sítio. Isso significa que são rótulos e que, no final, somos definidos por muito mais do que apenas a nossa nacionalidade. É claro que podemos estar ligados ao nosso país, mas isso não significa que vejamos os outros como uma ameaça.

No que diz respeito aos cenários, por exemplo, a fábrica desativada onde filmámos a luta é uma central elétrica desativada. As centrais elétricas são uma fonte de emprego que desapareceu. Essa é, evidentemente, uma das causas do aumento das ideias extremistas. A falta de um mercado de trabalho.

Com o filme, queríamos tentar perceber porque é que as pessoas precisam de um voto de protesto.

Delphine e Muriel Coulin são irmãs e há vários anos que partilham a realização de filmes. “17 Raparigas” foi a primeira longa-metragem que realizaram juntas. Muriel recorda como apresentou a irmã mais nova ao mundo do cinema:

Era uma vez uma jovem que andou numa escola de cinema e depois começou a fazer filmes. A sua irmã mais nova, que estava a estudar, durante as férias costumava vir ver as filmagens. E quando se vê o mundo do cinema, é algo de fabuloso, com histórias, com atores em países longínquos.

Eu era assistente de realização e um dia perguntámo-nos por que não fazemos uma curta-metragem juntas? Pegámos na nossa pequena câmara e começámos a filmar.

Curiosamente, a primeira curta-metragem já era um filme político. Era sobre um pai e um filho que estavam em greve. Essa curta-metragem ganhou um prémio em Los Angeles. Então pensámos, bem, o nosso trabalho não deve ser assim tão mau.

  • Margarida Vaz
  • 07 Mar 2025 22:06

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