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18 Abr 2025

“A Savana e a Montanha” é a mais recente longa-metragem do realizador Paulo Carneiro. Pode ser visto nos cinemas um ano depois da estreia na Quinzena dos Cineastas do Festival de Cannes. Apresenta-se como uma ficção sobre uma comunidade que decide unir-se para expulsar a empresa estrangeira que quer construir uma mina de exploração de lítio na aldeia.

Este cenário de confronto perante a exploração de minérios poderia ocorrer em qualquer parte do mundo?

Sim, efetivamente acho que o filme tem essa universalidade. Também um filme que não só remete para essa luta contra uma tentativa do grande capital de destruir um lugar fascinante, mas também promove e incentiva todas as lutas.

Neste caso é em Covas do Barroso, na região do Barroso, património agrícola mundial, mas não é só a luta de uma aldeia, também pode ser uma luta pessoal e pensarmos que, se nos unirmos, se estivermos inseridos num grupo, se formos uma comunidade, temos sempre mais força. É disso que fala o filme.

Covas do Barroso, algo que conhecemos, através das notícias, a forma como associações locais e ambientalistas resistem à exploração de lítio por parte da empresa britânica, Savanna Resources, que inspirou parte do título, “A Savana e a Montanha”.

O filme já foi mostrado em Covas do Barroso e foi surpreendente, fizemos uma projeção ao ar livre e estava mais gente do que em Cannes.

Para mim, também era importante levar o filme à aldeia e organizar um evento grande para olharem para si mesmos e partilharem com as famílias, porque nem toda a gente que entra no filme foi a Cannes.

Ser confrontado com o verdadeiro público, para o qual eu trabalho, e com as pessoas que entram no filme. Que esta comunidade de Covas do Barroso, se identifique e goste de se ver no filme, para mim é extremamente importante.

O realizador Paulo Carneiro.

Sentes que o tema está em aberto, que a exploração de minérios raros, como se diz agora, por exemplo, a propósito da Ucrânia, é um tema que está a ganhar outra dimensão? Estamos a ganhar outra consciência para as consequências da exploração do minério, nomeadamente ambientais? Sentes que os espectadores noutros pontos do mundo onde estás a ir com o filme, de repente, olham para o que se passa em Covas do Barroso e percebem, isto lhes diz também respeito, porque acontece perto deles?

Sim, acho que o filme traz essa consciência. Por exemplo, mostrei o filme num grande festival na China, e era muito curioso, porque há um protocolo e os realizadores iam todos num carros gigantescos, a bateria. De repente, foi muito esquisito mostrar aquele filme ali e falarmos desse tema.

Houve uma conferência de imprensa que durava algum tempo e as pessoas começaram a refletir e davam-se conta que, efetivamente, que havia ali um paradigma, porque na China não é um assunto que esteja a ser discutido neste momento.

Ao mesmo tempo, o filme tinha esta coisa de mostrar a força da união, e senti que as pessoas saíam felizes do filme, mesmo quando não tomavam consciência concreta sobre o que é o lítio e o que trazia para o nosso futuro, mas sentiam a ideia da glorificação da união, mais do que esta coisa concreta dos minerais raros.

Depois, a imprensa norte-americana acha que não faz sentido nenhum que defendamos uma comunidade pequena. Para eles, o que faz sentido é que aquela comunidade deixe de existir, aquela aldeia deixe de existir e que o filme está equivocado.

Faz pensar para onde vamos. A indústria automóvel tem muita força. Esta ideia da mineração não é devido aos telemóveis, é importante fazer essa referência. É preciso pensar que para produzir um automóvel elétrico consome-se 30 vezes mais energia do que para produzir um automóvel a combustão.

É importante pensar em reciclar, reutilizar, manter os carros e não fazer com que se produzam novos automóveis. Isso sim é o futuro e, quer dizer, o lítio é transição, nós devemos é chegar ao hidrogénio.

Isso leva-nos a outra questão, identificando obviamente o dilema que diz respeito à população transmontana de Covas do Barroso. Tens acompanhado o que se passou depois do filme? O que achas que vai suceder após sucessivas providências cautelares, de bloqueios por parte de populares?

É difícil prever, mas acho que eles estão a resistir. Sentem que o filme lhes dá força. Estou sempre em contacto, temos dado entrevistas em conjunto, etc. e é importante pensar de que forma eles não vão vergar porque é uma luta muito, muito desgastante, muito uma luta de escritório.

O filme mostra uma coisa que, na verdade, não existia para mostrar, porque não se vê muita luta, não é?

O filme encontra uma forma de construir uma luta audiovisual. Vamos pôr as coisas nesses termos. E é uma coisa muito de animosidade e eu acho que o que é importante é continuar a conseguir motivar as pessoas. Isso também cabe a nós, criadores.

Esta luta pode durar muitos anos. Há lutas contra a mineração que duram 30 anos.

Espero que as coisas melhorem, no sentido de preservar aquele lugar, porque é um lugar bastante importante e há uma série de questões ambientais na região do Barroso, onde se inclui “Bosto Frio”, onde fiz o meu primeiro filme, por exemplo.

Sim, regressas depois de ter filmado lá o “Bosto Frio”. É um lugar que conheces.

É importante pensarmos que aquela região tem muito turismo e esse turismo não se pode manter com o projeto gigantesco que querem ali implementar.

O filme é uma ficção, mas a primeira abordagem foi que seria um documentário. O que determinou a mudança?

Não acredito muito nesta ideia do cinema do real. Acho que uma câmara muda tudo e interessa-me trabalhar a partir da realidade, mas ir para outras coisas. Queria olhar para as pessoas de Covas do Barroso como heróis e mostrá-los nesse sentido.

Não gosto nada de fazer filmes que nos levem para baixo, mas sim que nos animem e nos façam sair do cinema com um sorriso na cara e com uma vontade de conhecer lugares os que mostro.

Porque os meus filmes são um bocado sobre território. De repente, sentia que ficar ali à espera que as coisas acontecessem não fazia jus àquilo que os transmontanos são. Tenho uma costela transmontana e uma relação muito forte com o território. E queria mostrar esse lado irónico, esse lado simpático, mas também esse lado de força, de resiliência e de resistência.

Por isso acabas a utilizar as referências do western.

Isso foi natural para dar forma cinematográfica à luta desta população. Quase o western spaghetti, enfim. O filme remete muito para esse imaginário.

Há uma característica que acho importante referir em Trás-os-Montes e ali no Barroso. Sempre senti e isso vejo pela família do meu pai que há uma capacidade de ironia muito grande.

E esta ideia nasce da encenação para um carnaval em que eles põem em prática a ideia dos cowboys contra os indígenas e, de repente, olho para aquilo e penso, é por aqui que vai o filme e a partir daqui vamos engrandecer isto ainda mais e exagerar ainda mais.

Também tentar tirá-los um bocado desta depressão em que são constantemente bombardeados com informações novas.

Quando o filme dá essa volta para o western ajuda as pessoas a esquecerem a realidade e a poderem divertir-se a filmar, a fazer um filme e espero que isso passe também para o espectador.

“A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro, estreia nos cinemas portugueses a 24 de abril.

  • tiago alves
  • 18 Abr 2025 18:40

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