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09 Mai 2025

O filme de animação “A Mais Preciosa Mercadoria” adapta o conto homónimo do escritor e dramaturgo francês Jean-Claude Grumberg, cujos pais e avós foram assassinados em Auschwitz.

Michel Hazanavicius reconhece que a sua ascendência judaica talvez o tenha ajudado a realizar o filme, mas a grande motivação foi a história escrita por um amigo de longa data da família do cineasta:

Influenciou, sem dúvida, mas de forma muito inconsciente. Até agora, as minhas origens nunca me encorajaram a fazer um filme sobre o tema.

Os meus pais eram franceses, mas tiveram de se esconder durante a guerra. Tive um avô que se alistou no exército francês e outro que esteve na resistência.

Na verdade, não foi porque eu quisesse fazer o filme. Foi porque alguém me enviou o livro. Achei que era uma história muito forte e uma forma de contar uma história que não tinha visto antes. Também porque, até recentemente, havia sobreviventes capazes de contar a história. Eram testemunhas. Agora, os sobreviventes estão a desaparecer.

O genocídio dos judeus está a tornar-se história antiga. Já não é uma história com poder emocional direto. É uma história antiga para muitos jovens. Por isso, a forma como é contada está também a mudar. Talvez, por isso, a minha relação com esta história mudou. Hoje, não há assim tantos realizadores de cinema que contem uma história como esta.

“A Mais Preciosa Mercadoria” é o primeiro filme de animação realizado por Michel Hazanavicius. A escolha da animação não foi para desdramatizar. Pelo contrário, diz o cineasta francês, a intenção é mostrar o que aconteceu, o extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial:

Teria sido um erro incrível desdramatizar a situação. Não creio que essa seja a ideia. Mas sim tentar tornar suportável o que é insuportável.

A animação é uma ferramenta que talvez seja mais adequada porque pode levar à sugestão, evocar algo que faz com que as crianças queiram fazer perguntas e queiram ir à procura de respostas junto de historiadores, de filósofos, de sobreviventes, testemunhos oculares, etc.

E a animação, os desenhos animados, criam essa possibilidade de evocação. Quando temos atores, eles fingem, representam essa evocação.

Os desenhos fingem e não mentem. Estão lá para contar a história. Foram feitos para isso. É uma obra de arte, não tem outra vida. Assim, paradoxalmente, os desenhos são mais realistas do que os atores. Apesar de não serem feitos de carne e ossos. Não mentem.

Michel Hazanavicius venceu o Oscar de melhor realização com “O Artista”, o filme que venceu cinco prémios da Academia Norte-Americana.

Cineasta com uma longa e bem-sucedida carreira no cinema, Hazanavicius  tem formação base em artes plásticas. Por isso, além de realizar, foi ele também que fez os desenhos para a animação de “A Mais Preciosa Mercadoria”:

Desenhei as personagens do filme, mas não precisava de o ter feito. Sempre desenhei só para mim. Era ótimo, mas não precisava de mostrar os meus desenhos. É a primeira vez que o faço, o filme pedia isso.

Para a inspiração, primeiro, fui à procura da pintura clássica. Misturei um pouco com a xilogravura porque permite ter áreas planas e linhas mais adequadas à animação do que a pintura clássica.

Por isso, os desenhos estão mais próximos dos ilustradores, como o francês Henri Rivière, ou então ilustradores de livros, e, em particular, do ilustrador russo Ivan Bilibin, que fez muitas gravuras.

Isso fez com que os desenhos pudessem ter uma linha ligeiramente grossa. Algo de que gostei, em primeiro lugar, porque se aproximou de mim.

“A Mais Preciosa Mercadoria” é a história de um casal de lenhadores pobres que, durante a guerra, encontram um embrulho caído de um comboio que atravessou a floresta.

Descobrem que é uma bebé recém-nascida, envolta em panos. A mulher vê nesta criança a filha que sempre desejou e tudo faz para protegê-la e ficar com ela.

A banda sonora da mais preciosa mercadoria é do compositor francês Alexandre Desplat. É um filme de animação de grandes planos e com poucos diálogos. A música e o narrador conduzem o espectador através da história.

O realizador, Michel Hazanavicius, recorda que é a voz de Jean-Louis Trintignant que se ouve. Foi o último filme onde o ator francês entrou antes de morrer:

Para mim, é a voz mais bela da história do cinema francês e este é o seu último filme. Foi uma honra para mim poder trabalhar com ele.

Para mim, foi muito comovente. Ele morreu há dois anos, mas quando mostro o filme, toda a gente reconhece a voz de Trintignant. É uma voz muito conhecida em França. E é como se ele tivesse entrado no cinema e estivesse ali, presente. É muito comovente.

Para Michel Hazanavicius, a mais preciosa mercadoria tem uma dimensão universal:

É uma história de escolha entre o bem e o mal. O filme leva a história a um nível universal e todas as personagens são facetas da alma humana que levei mais longe do que o livro leva.

O livro começa como uma história. Há uma palavra, judeu. Há a palavra Auschwitz, etc. Retirei tudo isso precisamente para manter nesse nível da universalidade e para dizer algo muito simples.

Para mim, é esse o objetivo, o coração do filme, dizer que estas personagens fazem parte da alma humana. Somos todas estas personagens.

Somos potencialmente carrascos, potencialmente vítimas. Mas a boa notícia é que somos potencialmente justos e bons.

É sempre uma questão de escolha pessoal. Temos a força dentro de nós para escolhermos ser quem queremos ser e podermos ser uma boa pessoa. Podemos ser justos. É uma história de escolha humana.

É disso que trata este filme. Não é só uma história sobre a representação dos campos de concentração. Não é disso que se trata este filme. Não é para denunciar nada.

Por isso que achei que a história era tão atual. Diz algo a toda a gente de forma muito simples. Mesmo quando o mundo que se está a desmoronar à nossa volta, ainda temos a opção de sermos uma boa pessoa. Podemos escolher ser a pior versão de nós próprios, ou então a melhor versão de nós próprios.

Em “A Mais Preciosa Mercadoria”, Michel Hazanavicius mostra os campos de concentração. Mas não quer que seja um filme sobre a morte e a guerra. Quer que seja um filme sobre a vida. Uma homenagem aos justos:

A partir do momento em que se retratam os campos, estes tornam-se tema de discussão do filme. Ocupam mais ou menos 10 minutos no filme. Toda a história é sobre os justos. Toda a história presta homenagem aos justos, que são a personagem mais bela de todas. A única figura bela, no final, aqueles que salvaram a honra da humanidade.

Não são as vítimas. Essas são os desgraçados. Os justos salvaram a honra da humanidade. Não tinham nada a ganhar. Não eram mais ricos, nem mais instruídos, nem mais bem formados. Nada. Mas salvaram as pessoas.

É disso que trata o filme. É sobre o amor e é isso que a voz no final diz. Para mim, este filme é sobre a vida. Há um princípio judaico que diz perante a vida e a morte escolhe-se sempre a vida. E este filme escolhe a vida. Era isso que eu queria dizer. Toda a história é sobre uma cadeia de solidariedade para salvar a vida de uma menina.

  • Margarida Vaz
  • 09 Mai 2025 19:02

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