23 Nov 2023
Um caso real descrito no livro da escritora e jornalista francesa Pauline Guéna, sobre investigação criminal, despertou a atenção do realizador Dominik Moll. O livro relata o dia a dia do Departamento de Investigação Criminal de Versalhes e inspirou a escrita de argumento do filme “A Noite do Dia 12”.
“Tive a ideia após ler o livro escrito por Pauline Guén, que passou um ano, em 2016, no Departamento de Investigação Criminal de Versalhes. Não é um romance, é um livro em que ela descreve o trabalho quotidiano dos investigadores de diferentes departamentos da brigada criminal da polícia judiciária. Nesse livro, ela relata várias investigações diferentes. A investigação de que fala no último capítulo do livro é o caso de uma jovem chamada Clara e é essa investigação contada no filme”.
O facto de ser uma investigação por resolver também me interessou porque vai contra as regras da história de detetives.
Este caso de uma jovem queimada viva quando ia a caminho de casa, a obsessão do inspetor da polícia responsável pela investigação e a perturbação perante um crime por resolver intrigaram o cineasta.
“O que me interessou nesta investigação, em particular, foi o facto de descrever como um dos investigadores fica obcecado por este caso que não consegue resolver. O facto de ser uma investigação por resolver também me interessou porque vai contra as regras da história de detetives. No início dos filmes policiais há um crime, mas no final o criminoso é entregue ao público, o que aqui não é o caso.”
Igualmente relevante, o crime sórdido foi cometido contra uma jovem mulher e o inquérito foi conduzido por um homem. O realizador Dominik Moll quis dar a palavra às mulheres, ter uma perspetiva feminina.
“Como se tratava do assassinato de uma jovem mulher, também me permitiu questionar e falar sobre a violência dos homens contra as mulheres na nossa sociedade. Ficámos com a impressão de que o inspetor é alguém que ouve e que tem a capacidade de se questionar. Pareceu-nos importante porque no filme há toda uma galeria de representantes de uma masculinidade bastante negativa, ou tóxica. Por outras palavras, são todos os suspeitos. Através do inspetor queríamos mostrar uma faceta mais positiva da masculinidade, com a capacidade de se questionar.”
Apesar do livro estar muito bem documentado, Dominik Moll quis ver de perto o trabalho dos inspetores da polícia. Durante uma semana fez uma imersão completa no Departamento de Investigação Criminal de Grenoble. O realizador escolheu para local de filmagens Saint-Jean-de-Maurienne, uma pequena cidade industrial num vale dos Alpes Franceses, perto de Grenoble.
“É um local que mistura diferentes atmosferas. Por um lado é industrial, com grandes fábricas, habitações de trabalhadores e bares. Mas tem também as estâncias de esqui. É um pequeno mundo com muitas atmosferas diferentes. As montanhas podem ser muito bonitas, mas, também podem ser ameaçadoras… bloqueiam o horizonte, não se consegue ver o que está do outro lado. É o caso dos polícias nesta investigação que não conseguem ver mais além e era por isso que nos interessava.”
Na esquadra e no velódromo
No filme “A Noite do Dia 12” é investigado o crime ocorrido nessa data. O ator Bastien Bouillon interpreta um inspetor do Departamento de Investigação Criminal da cidade de Grenoble obcecado por descobrir o assassino.
“Não sabemos muito sobre este inspetor da polícia. Ele é o chefe da brigada através do qual seguimos a investigação. Sabemos que ele precisa de aliviar a tensão. Para o fazer pratica ciclismo de pista, de velocidade. Torna-se obcecado com este caso de feminicídio, mas não sabemos muito mais do que isto.”
Na preparação para o papel de chefe da brigada criminal, o ator Bastien Bouillon, além de seguir as descrições do livro, contou com a ajuda das indicações do realizador e com a presença de verdadeiros polícias durante as filmagens.
“De facto, o livro revela um grande trabalho de pesquisa. Mas imagino que há diferenças entre o que ela viu e o que escreveu. E depois, também, há diferenças entre o livro e a adaptação feita para o filme. O realizador também passou uma semana imerso na esquadra da PJ. Foi uma referência para os atores, mas eu não fiz nenhuma imersão especial, para interpretar o papel de inspetor da polícia. Baseei-me no guião, nas situações e tive o apoio do realizador. Nas filmagens tivemos, algumas vezes, a presença de verdadeiros polícias que vieram apoiar-nos e contracenaram connosco.
A personagem de Bastien Bouillon tem como escape a prática de ciclismo de pista. Apesar de saber andar de bicicleta, o ator francês fez um treino específico para esta modalidade. As cenas foram filmadas num velódromo perto da cidade de Grenoble. As voltas que dá na pista têm uma analogia com a investigação que anda em círculos, à procura do autor do crime.
“Ele anda de bicicleta com velocidade, pratica ciclismo de pista, num velódromo, é uma forma de aliviar a tensão. Imagino que esta escolha tem um simbolismo, tem a ver com a investigação por resolver, com os polícias que andam em círculos, sem conseguirem descobrir nada. É como uma alegoria do cérebro, dos pensamentos, que andam às voltas e às voltas. É também uma boa escolha para décor do filme. Antes das filmagens tive uma boa preparação física”.
Por esta interpretação, Bastien Bouillon recebeu o César de Melhor Ator Revelação. Foi um dos seis prémios atribuídos ao filme pela Academia Francesa de Cinema. O filme “A Noite do Dia 12” conquistou também os prémios César nas categorias de melhor filme, realizador, ator secundário, adaptação e som.