

“A Pianista”: thriller psicológico questiona limites da ciência e da humanidade
Isolada numa herdade no Alentejo e mergulhada no luto, Ana (Teresa Tavares) aceita clonar o marido morto, mas o que parecia uma segunda oportunidade transforma-se numa espiral de segredos, violência e suspense no novo filme de Nuno Bernardo. Realizador e elenco falam sobre o filme.
Ana, viúva, com um filho de 16 anos, decide aceitar a proposta de clonar o marido falecido. Este é o ponto de partida do thriller psicológico “A Pianista”. Teresa Tavares tem o papel de Diana, a mãe, o ator Miguel Borges interpreta o pai. Gonçalo Almeida é Pedro, o filho do casal.
A atriz Teresa Tavares explica quem é a sua personagem, Ana, que de repente fica sozinha a tomar conta do filho adolescente numa casa isolada no Alentejo:
É uma ex-pianista, na verdade, já não toca profissionalmente há muitos anos e não toca desde que se mudou para o Alentejo e se casou com o Jorge, a personagem do Miguel Borges, e teve este filho. No início do filme percebemos que está num processo de luto muito doloroso e manda vir um piano, numa tentativa de reconstrução da sua própria identidade e de ultrapassar uma situação altamente traumática.
A Ana é uma mulher que vive muito isolada no seu mundo, de certa forma confinada àquele espaço da casa para onde ela escolheu ir. Depois é preciso perceber a natureza desta escolha e se foi uma escolha saudável, algo que será revelado ao longo do filme. De repente, ela passou os últimos 16 anos da sua vida fechada nesta casa com estes dois homens – o Jorge com quem se casou e que acaba de morrer inesperadamente, portanto há também este choque – e com o Pedro. É uma mulher muito desligada da realidade, percebes que ela está muito desligada da família.
Ana é obrigada a enfrentar os fantasmas interiores. Confrontada com a nova realidade, vai à procura de soluções na clonagem do marido que morreu:
Passa-se num futuro próximo, portanto ao momento em que ela recebe uma mensagem de uma empresa de clonagem oferecendo-lhe a possibilidade de fazer renascer o marido. De início acha isso aterrador e recusa, mas depois não consegue viver com a sua própria solidão e com a dor desta perda e aceita.
A partir do momento em que isso acontece entramos numa corrida desenfreada da Ana porque ela vai se confrontar com todos os fantasmas, com toda a violência que a relação tinha no passado, com toda a violência que a prendeu àquele sítio e vai ter de se confrontar também com a verdade porque aparece a polícia que faz uma ligação entre o ADN do Jorge, o marido dela, e o ADN encontrado numas miúdas que desapareceram recentemente na região.
Nesse momento a Ana passa a ter como único objetivo chegar à verdade para conseguir libertar-se desta espiral. O filme é sobre essa luta dela com os seus fantasmas, com a sua realidade, com este intuito que eu acho muito importante no filme. Ela vai fazer qualquer coisa para salvar o Pedro.
Para Teresa Tavares a clonagem é o pretexto para se falar de humanidade:
Puxar este tema da clonagem que aparece logo na primeira parte do filme é sobretudo para nos levantar a questão a nós como público, como levantou a Ana naquela situação, a minha personagem.
A ciência neste momento oferece-nos enormes possibilidades, ainda não nos oferece esta, mas é possível que venha a oferecer num futuro próximo, é uma coisa de que se fala. Mas onde é que está a nossa humanidade? Com o que é que somos capazes de lidar? Porque no âmago, no essencial, nós temos necessidade das mesmas coisas, temos os mesmos medos. Como encontramos este equilíbrio entre as enormes potencialidades que a ciência nos oferece e a nossa humanidade?
No limite, a ciência não nos vai ajudar a lidar com os nossos fantasmas, com o que está dentro de nós e com as nossas questões primordiais, isso temos de ser nós. A partir do momento em que se abre a questão da clonagem no filme é para levantar esta questão.
Ana, a personagem da atriz Teresa Tavares, foi uma pianista profissional, mas esteve vários anos sem tocar. A chegada do piano a casa vai provocar uma transformação. A música assinala os conflitos interiores da personagem:
O filme começa quando o piano chega e isto é um dado importante. Há uma narrativa que se conta também através das peças que a Ana vai tocando, ou volta a tocar, porque ela vai-se redescobrindo. Essa narrativa contada com a música vai conduzindo o espectador na história.
O piano, na verdade, para mim, está muito relacionado com identidade. No caso das duas personagens, a identidade do adolescente que se está a formar e a descoberta, ou reconstrução, da identidade da Ana. O piano tem este fator de ser quase uma forma de eles comunicarem um com o outro sem palavras. O Pedro irrita-se quando a Ana toca piano, porque está a remetê-lo também para tudo o que ela deixou e ela podia ter sido. Às tantas ele diz ‘ele prendeu-te nesta casa. Só tu é que não vês isso’.
A Ana agarra-se ao piano para conseguir comunicar consigo própria com o mundo, com qualquer coisa, porque também não consegue comunicar propriamente com o filho, não consegue encontrar uma ponte e então vai buscar a memória que tinha de quando conseguia comunicar com o mundo. Como era pianista, conseguia comunicar através da sua arte. Neste caso, através de tocar piano.
No filme “A Pianista”, as dinâmicas e as relações familiares estão permanentemente em tensão.
O ator Gonçalo Almeida tem o papel de um jovem de 16 anos que tem uma relação típica de adolescente com os pais:
É um miúdo de 16 anos e, tal como todos os adolescentes que passam esta fase um bocado turbulenta, tem os seus próprios problemas e acaba por se isolar muito, especialmente quando é confrontado com a morte do pai.
Ao longo da história vamos percebendo esta dinâmica entre mãe e filho e também a dinâmica, quando o pai volta, esta dinâmica entre pai e filho, que eu acho que é uma questão bastante importante, não vou dizer no arco da personagem do Pedro, mas para percebermos o tipo de pessoa que o Pedro é.
Para Gonçalo Almeida, a personagem Pedro reflete o isolamento de um jovem que vive num espaço mais limitado:
Como eles se mudaram de Lisboa para uma casa remota no Alentejo, uma casa que pertencia ao pai dele, ele acaba por se isolar um bocadinho mais. Mas eu acho que o Pedro sempre foi uma pessoa, um adolescente bastante no seu mundo, enfiado nos seus próprios problemas e nas suas próprias questões.
Contrariamente àquilo que podemos pensar, o Pedro, e isto também esteve sempre muito explícito nos guiões, o Pedro foi sempre um adolescente um bocadinho mais desenvolvido, por assim dizer. Nunca parecia ter a idade que tem. E a razão pela qual eu estou a dizer isto é porque tem um impacto importante na história e é um detalhe importante para perceber a trama.
Em “A Pianista” há crimes por resolver e a busca por um assassino adensa o drama. Para Gonçalo Almeida traz suspense à história:
O filme aborda questões de ética, mas obviamente tem como contexto este desaparecimento das raparigas por trás e não sabemos quem cometeu este crime, acaba-se sempre por ter esta camada de suspense, especialmente quando a personagem do Miguel Borges entra, quase como uma presença que volta para os assombrar.
Realizador de “Gabriel”, o cineasta e argumentista Nuno Bernardo aventura-se num filme de suspense, num thriller psicológico:
O filme surgiu desta minha constante vontade em arriscar, em explorar territórios novos enquanto contador de histórias. Centra-se em Ana, uma mulher que perdeu o marido num acidente e que, através da tecnologia da clonagem consegue trazê-lo de volta. O que parecia ser uma segunda oportunidade para refazer a vida em família rapidamente se transforma numa teia complexa de emoções e segredos. O filme acaba assim por ser uma história sobre luto, sobre como lidamos com a pele das pessoas que nos são próximas e sobre essa fantasia que acho que todos já tivemos de poder ter mais uns minutos, ou dias, com alguém que já desapareceu.
Já fiz comédia, drama, ficção científica, mas o thriller psicológico fascina-me porque permite explorar os recantos mais obscuros da mente humana. Não é um filme de terror no sentido tradicional, com sustos ou monstros, mas de uma história em que pretendo deixar o espectador desconfortável, fazê-lo questionar as motivações das personagens e até as suas próprias convicções. O meu objetivo último é provocar fazer com que o público saia da sala de cinema e leve o filme consigo.
Existem múltiplos finais possíveis em “A Pianista” e diferentes espectadores, baseados nas suas próprias crenças, vão inevitavelmente interpretar as pistas deixadas ao longo do filme de formas diferentes.
O piano tem o peso de personagem, foi essa a intenção do realizador Nuno Bernardo:
O piano é um instrumento profundamente emotivo, íntimo, e a música que a Ana vai tocando ao longo do filme funcionar quase como uma personagem. É através do piano que muitas emoções se expressam. É ali que residem algumas das memórias que ela guardou do marido.
Uma herdade alentejana é o cenário ideal para ajudar a criar um ambiente mais confinado para as personagens:
O Alentejo foi essencial para a atmosfera que pretendi criar. Precisava de um lugar isolado, onde as personagens ficassem presas umas às outras, sem escapatória possível. A paisagem alentejana, com aqueles horizontes infinitos, mas, ao mesmo tempo, claustrofóbicos, espelha perfeitamente o estado mental das personagens. Há ali uma beleza melancólica que se casa na perfeição com a história.
A Pianista é um thriller psicológico, uma história de clonagem que leva a uma reflexão sobre os limites da humanidade. Estreia esta semana nas salas portuguesas.