15 Mai 2015 0:09
"Le Fils de Saul" ("O Filho de Saul") é um acontecimento à parte na 68ª edição do Festival de Cannes, antes do mais por uma razão estatística: é a única primeira obra a competir para a Palma de Ouro. Não é uma excepção na história de Cannes — em todo o caso, trata-se de uma escolha que arrasta sempre um efeito simbólico: o certame aposta em destacar um novo autor, de seu nome László Nemes.
Cineasta húngaro, nascido em 1977, Nemes trabalhou como assistente de Béla Tarr, conseguindo, de facto, fazer um filme invulgar sobre o Holocausto. E invulgar, antes do mais, pelo dispositivo dramático que coloca em cena: "Le Fils de Saul" é o retrato de Saul Ausländer, membro do Sonderkommando no campo de Auschwitz-Birkenau, o grupo de prisioneiros judeus que os nazis forçavam a cooperar nas suas práticas de extermínio — ao descobrir o cadáver do seu filho, vai tentar tudo para evitar que ele seja enviado para os crematórios, procurando colocá-lo numa campa…
O mínimo que se pode dizer do trabalho de Nemes é que ele arrisca uma mise en scène invulgar: "Le Fils de Saul" está construído como uma deambulação que está sempre ligada aos movimentos de Saul — o resultado é uma circulação estonteante em que deparamos com os horrores do campo sempre através da figura do protagonista e dos efeitos que podemos ler no seu rosto.
"Le Fils de Saul" poderá inscrever-se numa tendência realista que, nos últimos anos, tem apostado em revisitar memórias da Segunda Guerra Mundial muito para além das convenções do tradicional "filme-de-guerra"; recuando três décadas, podemos também recordar a experiência extrema do filme soviético "Vai e Vê" (1985), de Elem Klimov, sobre a ocupação da Bielorrúsia pelos nazis. Em qualquer caso, Nemes é mesmo uma voz (e um olhar) com uma marca própria — surja ou não no palmarés, ele é, desde já, uma das revelações de Cannes 2015.