24 Fev 2024
O drama judicial “Anatomia de uma Queda” recebeu o prémio de melhor filme do ano nos prémios César da academia francesa de cinema entregues sexta-feira à noite no Olympia em Paris.
Justine Triet, que dirigiu a história sobre uma escritora levada a julgamento após a morte misteriosa do marido num chalé remoto nos Alpes, tornou-se a segunda mulher a receber o troféu de melhor realização. “Ser a segunda mulher na história a receber o César”, depois de Tonie Marshall em 2000, “é um pouco assustador e ótimo ao mesmo tempo, dá-nos esperança para o futuro”, sublinhou a cineasta.
Também Sandra Hüller reforçou a posição como atriz em destaque nesta temporada de prémios ao ganhar o César pelo papel da mulher acusada de matar o marido. O filme recebeu ainda prémios pelo papel secundário de Swann Arlaud, argumento original, ganho por Justine Triet e Arthur Harari, montagem,
Com estes triunfos, “Anatomia de uma Queda” dá continuidade à sucessão de prémios iniciada na Palma de Ouro no Festival de Cannes e que poderá culminar nos Óscares onde tem cinco nomeações.
Arieh Worthalter ganhou na categoria de melhor ator pelo papel de um militante francês da esquerda radical em “O Processo Goldman”, de Cédric Kahn.
Os Césars de revelação foram para Raphaël Quenard, por “Cão do ferro-velho” e Ella Rumpf, por “O Teorema de Marguerite”.
O filme “Linda veut du poulet!”, de Chiara Malta e Sébastien Laudenbach, conquistou o César de Melhor Filme de Animação, que tinha na lista de nomeados “Interdito a Cães e Italianos”, de Alain Ughetto, com coprodução da portuguesa Ocidental Filmes.
A realizadora tunisina Kaouther Ben Hania recebeu o César de Melhor Documentário por “Quatro Filhas”.
“O Reino Animal”, fantasia distópica de Thomas Cailley, foi o segundo filme mais premiado com vitória em cinco categorias técnicas.
Lista de vencedores dos Prémios César 2024
Melhor filme: “Anatomia de Uma Queda”, de Justine Triet
Melhor realização: Justine Triet, por “Anatomia de Uma Queda”
Melhor atriz: Sandra Hüller, por “Anatomia de Uma Queda”
Melhor ator: Arieh Worthalter por “O Processo Goldman”
Melhor atriz secundária: Adèle Exarchopoulos, por “Je verrai toujours vos visages”, de Jeanne Herry
Melhor ator secundário: Swann Arlaud, por “Anatomia de Uma Queda”
Revelação masculina: Raphaël Quenard, por “Chien de la casse”
Revelação feminina: Ella Rumpf, por “O Teorema de Marguerite”
Melhor filme estrangeiro: “Simple comme Sylvain”, de Monia Chokri
Melhor documentário: Kaouther Ben Hania, por “Quatro Filhas”
Melhor filme de animação: Chiara Malta e Sébastien Laudenbach, por “Linda veut du poulet!”
Melhor primeira obra: “Chien de la Casse”, de Jean-Baptiste Durand
Melhor curta metragem de ficção: Alice Douard, por “L’Attente”
Melhor curta metragem de animação: Mathilde Bédouet, por “Eté 96”
Melhor curta metragem documental: “La Mécanique des fluides”, de Gala Hernandez Lopez
Melhor argumento original: Justine Triet e Arthur Harari por “Anatomia de Uma Queda”
Melhor argumento adaptado: Valérie Donzelli e Audrey Diwan, por “Só Nós Dois”
Melhor montagem: Laurent Sénéchal, por “Anatomia de Uma Queda”
Melhor direção de Fotografia: David Cailley, por “O Reino Animal”
Melhor banda sonora original: Andrea Laszlo de Simone, por “O Reino Animal”
Melhores efeitos visuais: Cyrille Bonjean, Bruno Sommier e Jean-Louis Autret, por “O Reino Animal”
Melhor som: Fabrice Osinski, Raphaël Sohier, Matthieu Fichet e Niels Barletta por “O Reino Animal”
Melhor cenário: Stéphane Taillasson, por “Os Três Mosqueteiros”
Melhor guarda-roupa: Ariane Daurat, por “O Reino Animal”, de Thomas Cailley
Homenagem às vítimas de violência
A 49.ª cerimónia de entrega dos Césars, prestou homenagem às vítimas de violência sexual, com a atriz Judith Godrèche a sonhar com uma “revolução” no meio de uma onda de liberdade de expressão no cinema francês. A figura do movimento #MeToo francês, foi aplaudida de pé pelos representantes de um setor acusado de encobrir os casos de abuso durante anos.
Godrèche subiu ao palco do Olympia de Paris para denunciar o “nível de impunidade, de negação e de privilégio” da indústria. “Porque é que havemos de aceitar que esta arte de que tanto gostamos, esta arte que nos une, seja usada como pretexto para a violência?
“É preciso ter cuidado com as raparigas. Elas batem no fundo da piscina, chocam umas com as outras, magoam-se, mas recuperam”, continuou a atriz que afirma ter recebido mais de dois mil testemunhos em quatro dias no endereço eletrónico que criou para o efeito. Judith Godrèche apresentou ainda queixa contra os realizadores Benoît Jacquot e Jacques Doillon por violência sexual e física durante a sua adolescência, algo que estes negam.
A questão da violência sexual foi abordada logo no discurso de abertura da presidente da cerimónia, Valérie Lemercier: “Não sairei deste palco sem elogiar aqueles que estão a mudar os hábitos e costumes de um mundo muito antigo, no qual os corpos de alguns estavam implicitamente à disposição dos corpos de outros”.
Igualmente simbólico, a academia francesa atribuiu o primeiro prémio da noite, o César de Melhor Atriz Secundária, a Adèle Exarchopoulos, por “Je verrai toujours vos visages”, em que interpreta uma vítima de incesto.
Antes da cerimónia, cerca de uma centena de pessoas manifestou-se à porta do Olympia, a pedido da central sindical CGT, para apoiar as vítimas.
Também antes da abertura das festividades, a ministra da Cultura francesa, Rachida Dati, lamentou a “cegueira coletiva” que “dura há anos” na indústria, em declarações à revista Le Film Français.
Para além destes discursos, o tema não deixa de assombrar o cinema francês, onde vários representantes são alvo de processos judiciais: Gérard Depardieu, continua a ser investigado por violação e agressão sexual, e Dominique Boutonnat, presidente do Centro Nacional de Cinema (CNC), também está a ser alvo de um inquérito por, alegadamente, ter agredido o afilhado de 21 anos.
Igualdade, Gaza, Navalny e Assange
Outros temas da atualidade, política e social, subiram ao palco do Olympia durante os discursos de aceitação dos prémios.
Justine Triet dedicou o César de melhor realização, apenas o segundo atribuído a uma cineasta, “… a todas as mulheres (…) àquelas que têm sucesso e àquelas que falham, àquelas que foram feridas e que se libertam falando, e àquelas que não podem”.
A realizadora tunisina Kaouther Ben Hania e o ator franco-belga Arieh Worthalter pediram o fim das hostilidades na guerra entre israelitas e palestinianos.
“Também me uno ao apelo ao cessar-fogo em Gaza porque a vida assim o exige, a dos habitantes de Gaza e dos reféns, porque estamos unidos como espécie”, frisou o ator, de 38 anos.
“Parar de matar crianças está a tornar-se uma exigência radical”, sublinhou, por sua vez, Kaouther Ben Hania, quando subiu ao palco após prestar homenagens ao opositor russo Alexei Navalny, que morreu há uma semana, e ao fundador do Wikileaks, Julian Assange, que aguarda para saber se a justiça britânica lhe concederá um último recurso contra a sua extradição para os Estados Unidos.