03 Mar 2025

A tragicomédia “Anora” triunfou nos Óscares, no domingo, ao ganhar cinco estatuetas, incluindo a de Melhor Filme, numa cerimónia em que “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, atormentado pela controvérsia, arrecadou apenas dois prémios.

“Este filme foi feito com o sangue, suor e lágrimas de incríveis artistas independentes”, disse Sean Baker, realizador de “Anora”, agradecendo à academia norte-americana por ter distinguido “um filme verdadeiramente independente”, produzido com apenas seis milhões de dólares.

Depois de ter vencido a Palma de Ouro em Cannes, a sua Cinderela dos tempos modernos não só levou o prémio máximo, como também os prémios de Melhor Atriz para Mikey Madison, Melhor Argumento, Melhor Montagem e Melhor Realizador para Sean Baker, uma figura de proa do cinema de arte americano.

“Anora”, em que uma stripper nova-iorquina casa com o filho de um oligarca russo, para depois enfrentar o desprezo dos sogros ultra-ricos é, em grande parte, dedicada aos marginais e trabalhadores do sexo americanos.

A revelação do filme, Mikey Madison, fez questão de lhes “prestar homenagem” ao aceitar o seu Óscar, com apenas 25 anos.

Ao contrário de “Anora”, “Emilia Pérez” não conseguiu reproduzir o entusiasmo gerado em Cannes, onde ganhou o Prémio do Júri. A odisseia musical de Jacques Audiard sobre a transição de género de uma traficante de droga mexicana foi largamente rejeitada depois do escândalo provocado pelos tweets racistas e islamofóbicos da atriz principal, Karla Sofía Gascón.

Apesar das 13 nomeações – um recorde para uma produção em língua não inglesa – o filme, rodado principalmente em espanhol, ganhou apenas dois Óscares: Melhor Atriz Secundária para Zoe Saldaña e Melhor Canção para “El Mal”, a faixa-título em que a sua personagem, uma advogada, se rebela contra a corrupção da sociedade mexicana.

A estatueta de Melhor Filme Internacional foi para o drama brasileiro “Ainda Estou Aqui”, sobre a resistência de uma mãe corajosa contra a antiga ditadura brasileira.

“Estou-me nas tintas, francamente”, disse Jacques Audiard após a cerimónia, farto da controvérsia – algumas pessoas no México também o acusaram de apropriação cultural. “O que eu gosto de fazer é falar de cinema, não dessas coisas, não me interessam muito.

 

Segunda vitória de Adrien Brody

Adrien Brody foi a outra sensação da noite: o ator ganhou o Óscar de Melhor Ator por “O Brutalista”, no qual interpreta um arquiteto que sobrevive ao Holocausto e emigra para os Estados Unidos. Junta-se a Marlon Brando e a Jack Nicholson no clube dos duplos vencedores desta estatueta, 22 anos depois de ter vencido com “O Pianista”, em que interpretava um artista confrontado com a Shoah.

O ator de 51 anos aproveitou a oportunidade para fazer um apelo político, numa referência pouco velada à nova presidência de Donald Trump. “Se o passado nos pode ensinar alguma coisa, é a lembrarmo-nos de não deixar o ódio passar sem controlo”, insistiu, apelando a “um mundo mais saudável, mais feliz e mais inclusivo”.

Por seu lado, Zoe Saldaña disse estar “orgulhosa de ser filha de pais imigrantes que têm sonhos, dignidade e mãos trabalhadoras”.

Estes dois discursos estiveram entre as poucas alusões políticas da noite, durante uma cerimónia muito menos corrosiva do que em 2017, após a primeira eleição de Donald Trump.

Ao contrário de Jimmy Kimmel na altura, o comediante Conan O’Brien evitou largamente o assunto.

A cerimónia manteve-se consensual, com uma atuação das estrelas do musical “Wicked”, Ariana Grande e Cynthia Erivo, e uma homenagem aos bombeiros de Los Angeles, devastada por incêndios mortais em janeiro.

O conflito israelo-palestiniano acabou por entrar no programa quando o filme sobre o da colonização israelita da Cisjordânia, “No Other Land”, ganhou o Óscar de Melhor Documentário.

Os restantes prémios foram atribuídos a Kieran Culkin, que ganhou o prémio de Melhor Ator Secundário pela sua personagem em “A Verdadeira Dor”, sobre um judeu de trinta e poucos anos que tem tanto de carismático como de insuportável.

A produção letã “Flow” ganhou o Óscar de Melhor Filme de Animação, graças às aventuras profundamente comoventes de um gato à deriva à beira-mar, confrontado com o facto de o seu planeta estar a ser engolido pela subida do nível do mar.

O principal rival de “Anora”, o thriller papal “Conclave”, com a história da turbulenta eleição de um novo papa no Vaticano, acabou por ganhar apenas o Óscar de Melhor Argumento Adaptado.

Vencedores da 97.ª cerimónia de entrega dos Óscares

MELHOR FILME
“Anora”

REALIZAÇÃO
“Anora” – Sean Baker

ATRIZ
Mikey Madison em “Anora”

ATOR
Adrien Brody em “O Brutalista”

ATRIZ SECUNDÁRIA
Zoe Saldaña em “Emilia Pérez”

ATOR SECUNDÁRIO
Kieran Culkin em “A Verdadeira Dor”

FILME INTERNACIONAL
“Ainda Estou Aqui” (Brasil)

FILME DE ANIMAÇÃO
“Flow-À Deriva”
Gints Zilbalodis, Matīss Kaža, Ron Dyens e Gregory Zalcman

DOCUMENTÁRIO
“No Other Land”
Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham

CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
“In the Shadow of the Cypress”
Shirin Sohani e Hossein Molayemi

CURTA-METRAGEM DOCUMENTAL
“The Only Girl in the Orchestra”
Molly O’Brien e Lisa Remington

CURTA-METRAGEM DE AÇÃO REAL
“I’m Not a Robot”
Victoria Warmerdam e Trent

ARGUMENTO ORIGINAL
“Anora”
Escrito por Sean Baker

ARGUMENTO ADAPTADO
“Conclave”
Argumento de Peter Straughan

DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA
“O Brutalista” – Lol Crawley

MONTAGEM
“Anora” – Sean Baker

SOM
“Dune: Parte Dois”
Gareth John, Richard King, Ron Bartlett e Doug Hemphill

BANDA SONORA ORIGINAL
“O Brutalista” – Daniel Blumberg

CANÇÃO ORIGINAL
“El Mal” de “Emilia Pérez”
Música de Clément Ducol e Camille
Letra de Clément Ducol, Camille e Jacques Audiard

CENOGRAFIA
“Wicked”
Direção de arte: Nathan Crowley
Decoração de cenários: Lee Sandales

EFEITOS VISUAIS
“Duna: Parte Dois”
Paul Lambert, Stephen James, Rhys Salcombe e Gerd Nefzer

MAQUILHAGEM E CABELOS
“The Substance”
Pierre-Olivier Persin, Stéphanie Guillon e Marilyne Scarselli

GUARDA-ROUPA
“Wicked” – Paul Tazewell

 

Foto: Trae Patton / The Academy ©A.M.P.A.S.

  • CINEMAX - RTP c/ agências
  • 03 Mar 2025 08:57

+ conteúdos