A história real e trágica de um casal belga mal recebido pelos habitantes de uma pequena aldeia na Galiza, serviu de inspiração ao realizador Rodrigo Sorogoyen e à habitual parceira de argumento Isabel Peña, para escreverem o thriller rural “As Bestas”.
As desavenças entre vizinhos, comuns a qualquer comunidade pequena, foram apenas uma notícia de jornal, mas o que chamou a atenção dos argumentistas foi o facto da mulher do casal ter permanecido na aldeia – “aquilo que nos moveu a contar esta história, foi a decisão desta mulher de ficar na aldeia (…) sem essa circunstância, seria mais uma história muito interessante, mas uma história sobre a Espanha rural, que outros países também têm, podia ser Portugal no interior ou França. Seria mais uma história de violência masculina no meio rural profundo e há muitos filmes optimos que já contaram isso.
Na história de “As Bestas” Antoine (Denis Menochet) e Olga (Marina Fois), são um casal de franceses que decide viver e revitalizar uma pequena aldeia nas montanhas da Galiza, mesmo que a população local nem sempre se mostre receptiva à sua presença. A maior resistência é oferecida por dois irmãos que não aceitam que Antoine, o urbano com ideias ecológicas, tenha votado contra a instalação de um parque eólico que lhes poderia dar margem financeira para deixarem a dura vida do campo.
A diferença de opiniões traduz-se em ressentimentos, provocações e um tom cada vez mais ameaçador que parece antecipar uma explosão de violência e brutalidade.
“As Bestas” desenrola-se na paisagem rural da Galiza, mas podia ocorrer noutros lugares onde se confrontam modos de vida e onde o sentimento de pertença seja muito forte. – “Estamos a falar do conceito de justiça, de estrangeiros, de xenofobia, mas também de uma história de amor. Para mim é uma história bonita sobre como a tragédia não se sobrepõe ao amor, porque há uma mulher que honra a memória do seu amor, do seu marido. Falamos de muitas coisas, não estamos a falar da Galiza”, explica Rodrigo Sorogoyen.
Numa primeira parte, o filme aborda a violência crescente e a forma primitiva como os homens reagem ao conflito. Na segunda parte, a história é dominada por mulheres e há uma ideia de tréguas. – “demos conta de que o filme não podia acabar com violência, porque estamos a falar do contrário. A primeira parte é masculina e violenta. E a segunda é feminina e conciliadora.”
Numa mistura entre o thriller e o western, Sorogoyen constrói um filme duro sobre a convivência humana, mas espera que as pequenas comunidades se reconheçam nos contornos da história e não se sintam apenas ofendidas. – “quero acreditar que uma comunidade pequena vê o filme e pensa que isto podia acontecer. E se acontecesse seria assim. Já tive pessoas de comunidade rurais pequenas que me disseram que estava bem retratado, que lhes tinha acontecido algo semelhante. Mas também tive pessoas que se sentiram ofendidas pelo retrato do galego bruto e pouco elevado.”