O mínimo que se pode dizer da 23ª edição do Curtas Vila do Conde (4-12 Julho) é que tem sido um festival de… baralhar e voltar a dar. Neste duplo sentido: por um lado, temos encontrado aqui filmes capazes de relançar a questão (actualíssima) das fronteiras entre "documentário" e "ficção", desse modo podendo interrogar o que significa construir um olhar cinematográfico; por outro lado, existe alguma saturação de propostas "experimentais" cuja auto-indulgência implica, afinal, uma total indiferença pela relação com o espectador.
Em qualquer caso, é mérito do festival dar-nos conta dessa pluralidade, na certeza de que podemos ficar com algum cepticismo face aos caminhos criativos (?) que se alheiam de qualquer pensamento narrativo. Eis cinco títulos que, a meu ver, se incluem entre os mais interessantes programados pelo certame de Vila do Conde:
* O PRESENTE, de Jacob Frey (Alemanha) — História de um menino que recebe como presente da mãe um cãozinho que não tem uma perna… Um caso exemplar e conciso de desenho animado (dura apenas 4 minutos) que sabe ser um conto moral sem ceder a qualquer facilidade moralista.
* VITA BREVIS, de Thierry Knauff (Bélgica/França) — À partida, um exercício exemplarmente documental: trata-se de registar a vida realmente breve de insectos (efémeras) que vivem sobre as águas de um rio. A pouco e pouco, instala-se um misto de estranheza e fascínio que confere ao filme a dimensão quase abstracta de um painel sobre vida e morte.
* THE OLD JEWISH CEMETERY, de Sergei Loznitsa (Holanda/Letónia) — Um espantoso testemunho documental sobre o cemitério judeu de Riga, na Letónia (construído em 1752): através de uma metódica deambulação pelos espaços circundantes, Loznitsa expõe-nos uma banalidade quotidiana da qual emerge o peso da história colectiva.
* O GUARDADOR, de Rodrigo Areias (Portugal) — Rodado na Covilhã, com apoio da Universidade da Beira Interior, esta é uma crónica breve e intimista sobre um homem que de dia guarda o seu rebanho, à noite assumindo a condição de vigilante de um museu — um caso exemplar de sobriedade narrativa que sabe construir um pequeno mundo de personagens & relações.
* BECOMING ANITA EKBERG, de Mark Rappaport (EUA/França) — Com assinatura de um nome emblemático da produção independente made in USA (nos últimos 40 anos!), esta é uma memória genuinamente cinéfila de Anita Ekberg: a partir de uma elaborada organização de fragmentos dos seus filmes, Rappaport propõe, afinal, um ensaio sobre as maravilhas e ilusões da celebridade.