24 Mai 2017 0:45
O iraniano Abbas Kiarostami (1940-2016) deixou uma obra cujo impacto e simbolismo são indissociáveis de Cannes. Ganhou, aliás, uma Palma de Ouro em 1997, com "O Sabor da Cereja" (ex-aequo com "A Enguia", de Shohei Imamura).
Agora, o seu trabalho regressou ao festival com um legado precioso: "24 Frames", apresentado numa sessão especial da selecção oficial, é um colecção de pequenos ensaios (4 minutos e 30 segundos cada) que Kiarostami foi desenvolvendo através da conjugação do gosto de observação da natureza e da aplicação das novas técnicas digitais de manipulação das imagens.
Estamos perante uma preciosa herança. O próprio cineasta explicou numa nota que se trata de explorar as mais diversas imagens (sobretudo fotografias por ele obtidas ao longo dos anos), encenando aquilo que ele próprio imagina como tendo acontecido "antes ou depois" do registo de cada imagem.
Estamos, afinal, perante uma "continuação" das experiências de "Five" (2003), um conjunto de observações de momentos anódinos da experiência humana, transfigurados em pequenos teatros de ambíguo realismo (com dedicatória para Yasujiro Ozu).
Agora, assistimos a algo semelhante, com especial predomínio de animais em situações por vezes plenas de humor, em paisagens com neve. O resultado celebra o cinema como instrumento paradoxal de registo e transfiguração, percorrendo ou inventando lugares em que o realismo mais directo atrai a mais pura abstracção cognitiva e sensorial.